Dizíamos, na coluna anterior, que Tom Jobim, ao cantar a natureza (em letras dele ou de outros), configura-a por vezes em diálogo aberto com as proposições românticas, de ver na paisagem aquilo que sobra — e não aquilo que falta. Em Brasil nativo, que muito apropriadamente pertence ao seu disco Passarim, é louvada, com aliterações e rimas retumbantes, a exuberância da natureza brasileira, da terra fecunda, fértil: “Brasil, sei lá/ Eu não vi na terra inteira/ O que nessa terra dá/ E o que é que dá?/ Gabiroba, gameleira,/ Guariroba, gravatá/ Tambatajá, ouricuri e jurema/ Xingu, Jari, Madeira e Juruá/ Do Boto cor-de-rosa ao Boitatá/ Dá/ Goiaba, cajá-maga e cambucá/ Caju, pitanga e guaraná/ E dá vontade cantar// Brasil, sei lá/ Ou o meu coração se engana/ Ou uma terra igual não há” (Brasil nativo — Danilo Caymmi e Paulo César Pinheiro). Nessa letra ecoa a chamada “visão do paraíso” (Sérgio Buarque de Holanda), mito que deu base às descrições dos cronistas do Descobrimento, que destacaram a opulência da natureza como incremento para dizer das potencialidades da terra. Esse mito atravessa a nossa cultura e, às vezes reverenciado (como parece ser o caso acima), às vezes parodiado, se manifesta de várias maneiras e com vários registros literários. Um dos registros mais conhecidos, no interior do Romantismo, é o de Gonçalves Dias: “Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o Sabiá/ As aves que aqui gorjeiam,/ Não gorjeiam como lá// Nosso céu tem mais estrelas/ Nossas várzeas têm mais flores/ Nossos bosques têm mais vida/ Nossa vida, mais amores”.
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