Intérpretes ficcionais do Brasil: dialogismo, reescrituras e representações identitárias, organizado por Sônia Lúcia Ramalho de Farias e Cristhiano Aguiar, sonda, explica ou mesmo traduz as relações entre literatura e sociedade. Dá continuidade ao livro de 2005 Imagens do Brasil na literatura, reunião de ensaios resultantes de um projeto integrado de pesquisa do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco. Algo importante neste livro de agora, já posto em prática no livro anterior: estabelecer, a cada texto, a diferença entre a escrita da pesquisa e a do ensaio. Nem sempre o texto da pesquisa (ou seja, da dissertação de mestrado, da tese ou mesmo do projeto de pesquisa) tem qualidade, se sustenta enquanto texto para livro. O texto de pesquisa comunica o teor dos argumentos, aplica-se em dividir e subdividir em tópicos segmentos temáticos, traçados de idéias — mas falta-lhe, não raro, o estilo, a expressividade exigida pelo ensaio. O ensaísta elabora o texto, pensa na materialidade dele e no que ele pode proporcionar de prazer ao leitor — do mesmo modo que pensam o poeta e o ficcionista. O ensaísta é, antes de tudo, um escritor — e como tal ele arma o seu texto. O ensaio O rural e o urbano nas profecias revolucionárias de Jorge Amado e Glauber Rocha, de Sônia Lúcia Ramalho, resgata, com limpidez estilística e força analítica, aspectos importantes de dois contextos da cultura brasileira: o dos anos 40 e o dos anos 60. Aspectos que envolvem o debate, decisivo notadamente para a década de 60, mas já posto com ênfase pelo menos desde a década de 30, acerca das relações entre arte e política, arte e conscientização ou ainda arte e revolução. O resgate feito pela ensaísta tem como base a investigação de duas obras ficcionais: o romance Seara vermelha (1946), de Jorge Amado, e o filme Deus e o diabo na terra do sol (1964), de Glauber Rocha. O empenho principal da intérprete, e com resultados bastante elucidativos, é mostrar, na estrutura de cada uma das duas obras, as projeções das ideologias revolucionárias de seus respectivos autores. Misticismo e cangaço, assim, repostos e repensados nas duas obras como práticas ancestrais que favoreceram ou deram base ao nosso atraso, são agregados às projeções utópicas de dois artistas que aderiram ao seu tempo, e cada um ao seu modo, às utopias revolucionárias. O ensaio de Sônia Ramalho, assim, com respeitável base teórica, com referências que vão de Hobsbawm a Flora Süssekind, entre outros, se desdobra como um competente estudo acerca da ideologia (no caso, da ideologia esquerdizante) na obra de arte.