Coisas de Chico Buarque (1)

Desde o início de sua produção, em meados dos anos 60, Chico Buarque já demonstra ter, como é o caso de Pedro pedreiro, grande habilidade com a palavra
Chico Buarque, autor de “Anos de Chumbo e outros contos”
01/10/2007

Desde o início de sua produção, em meados dos anos 60, Chico Buarque já demonstra ter, como é o caso de Pedro pedreiro, grande habilidade com a palavra. Nos anos 70, época em que é vítima constante da censura, prossegue fazendo letras — caso de Apesar de você, Cálice, O que será, entre outras — de grande qualidade estética e de forte teor político, o que o torna uma espécie de símbolo de resistência à ditadura. Chico elabora muito bem as suas letras, de tal modo que podemos chamá-lo mesmo de poeta. Enquanto compositor, é muito versátil, tendo como ponto de partida o samba de morro. Soube dialogar com vários ritmos do nosso cancioneiro, como demonstra muito bem, no livro que organizei em 2004 Chico Buarque do Brasil, o texto do crítico musical Tárik de Souza. Enquanto letrista está entre os melhores do país, em todos os tempos. Fez letra engajada sem ser panfletário. Voltou-se para os oprimidos e excluídos, tornando-os “protagonistas da História”, como diz muito bem a professora e pesquisadora Adélia Bezerra de Meneses. Foi uma espécie de sociólogo do país, especialmente nos anos 70. Escreveu peças — Roda viva, Calabar, Gota d’água e Ópera do malandro — que tratam, parodicamente, de assuntos ligados à nossa realidade de país de periferia, posto entre a modernidade e o atraso. Seu teatro discute a nossa sociedade, é crítico dela, sobretudo da nossa elite. Fazenda modelo, de 1974, é uma novela em que Chico retrata alegoricamente o Brasil pós-64. Como observa a ensaísta Regina Zilberman: “O alvo de Fazenda modelo não era […] um regime de esquerda, como o soviético, e sim de direita, como o brasileiro”. Chico é também reconhecido pela crítica como um excelente romancista. Seus romances — Estorvo, Benjamim e Budapeste — tratam do indivíduo atomizado num mundo da imagem, do consumo, da globalização. São romances de personagens densos, situados no espaço urbano, buscando identidade num mundo fragmentado. Sobre o Chico romancista, acho que o professor Antonio Candido diz muito no texto que me enviou para o Chico Buarque do Brasil. Diz o professor: “Os romances [de Chico] são densos, sem concessões, muito inventivos, com um toque pouco freqüente de originalidade. No entanto, comunicam-se bem e fizeram dele uma revelação que não foi apenas fogacho, pois a sua carreira nesse campo prossegue em vôo alto”. Concordo plenamente com essas palavras de Antonio Candido. Chico é hoje um dos principais romancistas da língua portuguesa.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho