Fernando Pinto do Amaral

Ensaio fotográfico de Fernando Pinto do Amaral
Foto: Ozias Filho
01/11/2023

(…) porque de pó são feitos todos os rostos e todos os poemas// porque é pó a matéria de toda a beleza (…)

A memória ocupa, de fato, que lugar no nosso imaginário? Em cada passo pela jornada de vida, mudamos o pó da estrada, o lugar da memória? Ela existe tal e qual a visitamos dentro de nós, ou é uma projeção daquilo que, em certa medida, cabe no nosso presente; por vezes mais confortável e alentador; por vezes, um poço de dor sem fundo? Modificamos o lugar da memória já que somos seres mutantes, ou acreditamos que a memória mais profunda é um livro de história factual e sem revisionismos? Há quem de fato acredite que as reminiscências são este livro tão aberto e exposto?

O poeta português Fernando Pinto do Amaral compara este pulsar permanente da nossa existência, recorrendo à física. No seu entender, a memória é como uma refração da luz, na qual um raio luminoso atravessa a interface entre dois meios óticos, sofrendo, desta maneira, uma mudança de velocidade e de direção. “A memória é como um lago, onde a luz sofre este processo de refração; ou seja, o ângulo é diferente e, apesar de vermos a imagem, o que lá se encontra é já outra coisa.”

Fazendo a transposição para o seu ofício de poeta, o escritor salienta que a poesia, de certa forma, serve para olhar melhor este passado, talvez expiá-lo, talvez libertá-lo do buraco negro sem localização precisa. O que se encontra, na verdade, é algo fugidio e que nunca se vê como de fato aconteceu. “A poesia nos dá outro ângulo que nunca é o passado vivido à altura, mas sim o passado à luz do que eu sou agora. O passado, como nós o imaginamos, não existe, é uma fantasia.” A memória, seguindo assim, no seu lugar do mutável, mesmo que no íntimo do nosso dia presente, ela seja parte de uma verdade que, sim, existiu; mesmo que aquilo que é parte ilusória, seja necessária e nos acalente.

O que significa olhar melhor este passado através da poesia? Vemo-nos com maior clareza, aquele que fomos no passado, de uma maneira mais resolvida, já que a passagem do tempo tem o poder curativo, por vezes, de limpar espelhos? Que projeção fazemos em nós, ou em outrem, a partir desta consciência? O reflexo desta imagem identificada nos faz seres humanos melhores, sobretudo connosco? “A poesia faz com que eu me veja melhor, não quer dizer que esta visão me agrade”, diz o poeta.

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

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Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho
Fernando Pinto do Amaral
Nasceu em Lisboa (Portugal), em 1960. Frequentou a Faculdade de Medicina, mas abandonou o curso, vindo a licenciar-se em Línguas e Literaturas Modernas, concluindo o mestrado e o doutoramento em literatura portuguesa. É professor do Departamento de Literaturas Românicas da Faculdade de Letras de Lisboa. Publicou doze livros de poesia, três volumes de ensaio e traduziu poemas de Baudelaire, Verlaine, Jorge Luis Borges e Gabriela Mistral. O seu mais recente livro chama-se Última vida, publicado em 2023.
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

Rascunho