Diego Garcez

Ensaio fotográfico de Diego Garcez
Foto: Ozias Filho
01/05/2025

enquanto o céu cicatriza
do arranhão
rezo onde estiver

Deus e o diabo estão sentados à mesa do café, numa amena cavaqueira sobre o destino dos seus seguidores. Cada um no seu pelouro, defende o argumento que mais lhes representa, sem, contudo, chegarem a um entendimento. Qualquer semelhança com o mais comum dos mortais não é mera coincidência; pois o ser humano, se assim podemos interpretar, é de fato este espelho, a representação mal polida de um algo maior, no olimpo do intangível; quer nos voltemos para o bem ou para o mal, num exercício maniqueísta; quer estas faces tenham o mesmo valor na moeda de troca sobre a mesa, oscilando entre a pureza e a corrupção dos valores apreendidos ao longo da jornada, quando são confrontados com as decisões que os aproxima ou afasta de um ideal de perfeição.

O livro Satanás Lilás, de Diego Garcez, em linhas gerais, apesar de não se ater, especificamente, sobre este dilema que inunda a existência de cada um, também não o rechaça. O poeta usa da provocação do título, somado a ousadia da sua escrita, para teatralizar o próprio palco da sua vida que transita entre a antirreligiosidade e a presença maciça de rezas e invocações aos santos. Exemplifica: “É de loucos a quantidade de Pais-Nossos, Ave Marias, ‘Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, a quem me confiou a piedade divina’, a quantidade de rezas que digo (…) quando vou deixar o meu filho na escola, e na igreja eu não rezo”.

Esta simbiose entre insanidade e normalidade é algo presente o tempo todo na sua rotina. E nesta peleja entre um mundo que se mata, e outro que enche a boca para falar de céu, o escritor brasileiro acrescenta a cor lilás ao anjo das trevas. Traz uma nova nuance a este conflito: o lirismo; voz tão particular na vida de um poeta. “O que eu tentei fazer no livro foi ter essa coisa forte, visceral, verborrágica, e provocativa ao mesmo tempo, que nos tira do lugar habitual, mas com o lirismo” e, por isso, nas várias camadas o leitor encontra o desejo do proibido, a libertação, mas também a inocência, a ingenuidade, vindas diretamente do universo da criança.

E se de criança, poeta e louco todos temos um pouco; melhor ficamos travestidos de lilás, já que o seu simbolismo, ligado à espiritualidade, à introspeção, à calma e tranquilidade, facilita a conexão com o mundo interior; mas também representando a capacidade de perceber além do óbvio, e de compreender os mistérios da vida, pois a cor está associada à intuição e à sabedoria.

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho
Diego Garcez
Nasceu em Aracaju (SE), em 1982, e cresceu no Recife (PE). É poeta, pintor e performer. Formou-se em Relações Internacionais e, após desenvolver carreira corporativa vinculada ao Porto Digital no Recife, passou a se dedicar integralmente à literatura e às artes plásticas, a partir de 2019. Foi cronista de alguns veículos no Recife e publicou seu primeiro livro de poemas, Satanás lilás, em 2024, pela Urutau. Tem realizado exposições em Portugal e no Brasil, e feito investigações no campo do teatro e da dança. Em 2025, publicará Avestruz, pequeno estudo sobre a prontidão. Atualmente, vive e trabalha em Lisboa.
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

Rascunho