enquanto o céu cicatriza
do arranhão
rezo onde estiver
Deus e o diabo estão sentados à mesa do café, numa amena cavaqueira sobre o destino dos seus seguidores. Cada um no seu pelouro, defende o argumento que mais lhes representa, sem, contudo, chegarem a um entendimento. Qualquer semelhança com o mais comum dos mortais não é mera coincidência; pois o ser humano, se assim podemos interpretar, é de fato este espelho, a representação mal polida de um algo maior, no olimpo do intangível; quer nos voltemos para o bem ou para o mal, num exercício maniqueísta; quer estas faces tenham o mesmo valor na moeda de troca sobre a mesa, oscilando entre a pureza e a corrupção dos valores apreendidos ao longo da jornada, quando são confrontados com as decisões que os aproxima ou afasta de um ideal de perfeição.
O livro Satanás Lilás, de Diego Garcez, em linhas gerais, apesar de não se ater, especificamente, sobre este dilema que inunda a existência de cada um, também não o rechaça. O poeta usa da provocação do título, somado a ousadia da sua escrita, para teatralizar o próprio palco da sua vida que transita entre a antirreligiosidade e a presença maciça de rezas e invocações aos santos. Exemplifica: “É de loucos a quantidade de Pais-Nossos, Ave Marias, ‘Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, a quem me confiou a piedade divina’, a quantidade de rezas que digo (…) quando vou deixar o meu filho na escola, e na igreja eu não rezo”.
Esta simbiose entre insanidade e normalidade é algo presente o tempo todo na sua rotina. E nesta peleja entre um mundo que se mata, e outro que enche a boca para falar de céu, o escritor brasileiro acrescenta a cor lilás ao anjo das trevas. Traz uma nova nuance a este conflito: o lirismo; voz tão particular na vida de um poeta. “O que eu tentei fazer no livro foi ter essa coisa forte, visceral, verborrágica, e provocativa ao mesmo tempo, que nos tira do lugar habitual, mas com o lirismo” e, por isso, nas várias camadas o leitor encontra o desejo do proibido, a libertação, mas também a inocência, a ingenuidade, vindas diretamente do universo da criança.
E se de criança, poeta e louco todos temos um pouco; melhor ficamos travestidos de lilás, já que o seu simbolismo, ligado à espiritualidade, à introspeção, à calma e tranquilidade, facilita a conexão com o mundo interior; mas também representando a capacidade de perceber além do óbvio, e de compreender os mistérios da vida, pois a cor está associada à intuição e à sabedoria.

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