O homem de macacão

Alberto Mussa escreve sobre “O homem de macacão”, de Oswaldo França Júnior
Oswaldo França Júnior, autor de “O homem de macacão”
01/07/2013

Confesso ter passado mais de dez anos tirando e repondo na estante, sem abrir, um livro que só garimpei num sebo pelo mero vício do garimpo. Era o romance Jorge, um brasileiro, de Oswaldo França Júnior. Puro preconceito: achava (e ainda acho) o título medonho; e supunha que fosse encontrar nele uma espécie de descrição do nosso espírito popular ou do caráter nacional, na óptica de um escritor de classe média identificado com os valores europeus.

Mas a hora da leitura tinha que chegar. E o que li me surpreendeu: o romance, narrado em primeira pessoa, conta a história de um caminhoneiro que tem a missão de ir buscar, no interior de Minas, num certo prazo, uma carga de milho distribuída em oito carretas.

O argumento pode parecer banal, mas o texto se lê como uma peça épica: a personalidade galante do protagonista, seu senso de honra, a extrema aventura de enfrentar a lama das estradas sob um forte temporal e resolver toda espécie de contratempos (como o roubo das rodas do caminhão) fazem de Jorge um herói não muito distante dos antigos cavaleiros medievais.

Impressiona a simplicidade da história, a simplicidade da linguagem, o entrelaçamento das frases e dos períodos — que reproduz com perfeição o estilo narrativo popular —, a sinceridade dos sentimentos, a verossimilhança das personagens.

Se Jorge, um brasileiro pode ser considerada uma obra-prima, Oswaldo França Júnior teve o mérito de ter escrito uma segunda, e não inferior: O homem de macacão.

O argumento deste é também extremamente simples: Afonso, dono de uma oficina mecânica, com problemas financeiros desde o assassinato de um dos empregados, na porta da loja, explica a um corretor por que não quer vender o negócio. E nesse discurso conta grande parte da sua vida como mecânico, fala de mulheres e de companheiros de profissão.

Os casos são às vezes insólitos, às vezes triviais: o sócio que amarrou uma mulher doida e muda na oficina; um colega que pôs fogo na fossa de casa e recebeu a explosão no rosto; a moça que era “pra casar” e por isso não servia.

Se em Jorge, um brasileiro há um fio condutor — a viagem de caminhão com oito carretas de milho —, neste O homem de macacão não há propriamente enredo; mas o encadeamento das histórias é tão natural, a linguagem é tão verossímil e tão envolvente, as emoções são tão verdadeiras que é impossível terminar o livro sem lágrimas nos olhos.

É notável como Oswaldo França Júnior consegue dar uma dimensão altamente dramática a uma matéria em princípio tão corriqueira. Estamos diante de um grande artista, de um conhecedor profundo da natureza humana, de um mestre incontestável da língua portuguesa — enfim, de um clássico da literatura, de todos os tempos.

Depois da leitura de O homem de macacão, fica de fato comprovada a tese de que não há vida sobre a terra destituída de intensidade, de emoção, de nobreza e de heroísmo.

É tempo de me redimir dizendo que Oswaldo França Júnior nunca foi aquele intelectual de classe média identificado com a Europa, como cheguei a supor.

O homem de macacão foi publicado originalmente pela editora Sabiá, em 1972. Teve também uma segunda edição da Nova Fronteira, em 1984. Esta última é mais fácil de garimpar. Os exemplares em bom estado devem custar entre R$ 8 e R$ 12.

Alberto Mussa

Nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. É autor do romance O senhor do lado esquerdo, vencedor do Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional e eleito pela Academia Brasileira de Letras o melhor livro de ficção publicado em 2011.

Rascunho