A ostra e o vento

Romance de Moacir C. Lopes tem um cenário insólito da Ilha dos Afogados, onde há um farol, a fúria do vento, o grito dos mumbebos e três habitantes
Moacir C. Lopes (à esquerda), autor de “A ostra e o vento”
01/04/2013

Apesar de estar seguramente entre as maiores, sempre achei a ficção brasileira um tanto conservadora, no que se refere a temas e cenários. Há muito pouco fantástico, há pouquíssima aventura, raros são os livros que tratam o popular com conhecimento de causa, e o romance histórico é ainda bastante incompleto.

Também são escassos os romances do mar: O brigue flibusteiro, de Virgílio Várzea, está hoje esquecido, e nem tão injustamente. O corsário, de Caldre e Fião, é um título que ilude, porque o livro trata mesmo é da Guerra dos Farrapos. Adolfo Caminha, com Bom-crioulo, e Jorge Amado, com Mar morto ou Os velhos marinheiros, são mais propriamente romancistas do cais.

Creio que tenha sido Moacir C. Lopes, com Maria de cada porto, quem nos deu a primeira grande aventura marítima, logo uma história de náufragos, que passam quatro dias perdidos no mar.

O romance tem passagens intensamente líricas (por exemplo, quando o narrador evoca o amor de Maria, filha da sua lavadeira), enredadas em conflitos de marujos, e em contraponto com a terrível descrição do naufrágio (a cena em que um deles, desesperado de sede, bebe da água do mar é de uma tragicidade impressionante).

Moacir C. Lopes, no entanto, atingiria um patamar ainda mais alto com A ostra e o vento. Entramos agora no cenário insólito da Ilha dos Afogados, onde há um farol, a fúria do vento, o grito dos mumbebos e três habitantes.

O romance começa com a chegada de Daniel à Ilha dos Afogados, onde foi por nove anos auxiliar do faroleiro. Vem acompanhando uma expedição da Capitania dos Portos, que vai investigar por que o farol fora apagado. A ilha estava deserta. José, o faroleiro, Marcela, sua filha, e Roberto, o ajudante recém-chegado, desapareceram.

Os fragmentos dos diários de quarto, anotados por José, revelam que ele estava se preparando para lutar contra um invasor. Pelos escritos de Marcela, Daniel descobre a surpreendente informação de que um certo Saulo se encontrava com a moça, na ilha, desde a época em que ele trabalhara ali. Daniel estranha tudo isso, pois teria sido impossível alguém desembarcar na Ilha dos Afogados sem ser visto. E assim se forma um clima de mistério.

A narrativa se concentra em Marcela, que chegou na ilha com 9 anos e agora tem 22. José — figura rígida, estranha, suspeito de ter matado a mulher e um pescador, amante dela — mantinha a filha sob um controle implacável.

Marcela, proibida de ir ao continente, inicia sozinha, na ilha, o processo de descoberta da própria sexualidade.

O pai a reprime, quando a surpreende nua, na praia; e protegê-la de um possível sedutor passa a ser a sua obsessão. O texto, no fundo, trata desse despertar, da explosão do sexo em Marcela, da impossibilidade de se tentar conter a sexualidade feminina.

As cenas em que Marcela se entrega ao vento são das mais belas da literatura universal. E o romance cresce, e arrebata, quando começamos a perceber a real identidade do protagonista oculto que narra a história. Aliás, é também essa arquitetura narrativa que faz do livro uma obra-prima.

A primeira edição de A ostra e o vento saiu em 1964, pela Civilização Brasileira. É a que se encontra com mais facilidade, com grande variação de preços (entre R$ 5 e R$ 25). Há também edições da Cátedra e da Quartet. Creio que algo entre R$ 15 e R$ 20 seja um preço justo.

Alberto Mussa

Nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. É autor do romance O senhor do lado esquerdo, vencedor do Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional e eleito pela Academia Brasileira de Letras o melhor livro de ficção publicado em 2011.

Rascunho