Aprender, entreter, relaxar

Entrevista com Sandy Leah Lima
Sandy Leah Lima
01/10/2009

Sandy Leah Lima nasceu em Campinas (SP), em 1983. Filha do ídolo sertanejo Xororó, lançou-se como cantora em 1990, ao lado do irmão Junior Lima. De lá para cá, foram 16 álbuns lançados e cerca de 17 milhões de cópias vendidas. Apesar do sucesso na área musical (hoje, são aproximadamente 1,3 mil os seus fã-clubes, sendo que o oficial conta com 120 mil associados), Sandy fez questão de terminar os estudos. Formou-se em 2008, em Letras, pela PUC-Campinas. Em 2009, participou como jurada do quadro “Soletrando”, do programa global Caldeirão do Huck. Atriz, foi protagonista da novela Estrela Guia, do seriado Sandy & Junior (ambos transmitidos pela Rede Globo) e do filme Acquária.

• Na infância, qual foi seu primeiro contato marcante com a palavra escrita?
Buscando lá no fundo do meu coração, penso que foi quando, aos dez anos, escrevi uma poesia em homenagem à minha mãe. Não foi tarefa de escola ou algo assim; foi espontâneo, uma vontade de expressar meu amor através das palavras.

• De que forma a literatura surgiu na sua vida?
Eu não sei definir exatamente. Sempre gostei de ler. Me lembro que, mesmo na infância, os livros despertavam mais emoção em mim do que eu percebia em meus amigos. Lendo, eu às vezes me comovia tanto que chegava a chorar. Foi assim, por exemplo, quando li, aos 12 anos, Menino de engenho, de José Lins do Rego.

• Que espaço a literatura ocupa no seu dia-a-dia e no seu método de trabalho?
Tenho reservado muito menos tempo do que eu gostaria ― e acho que deveria ― para a leitura. Em compensação, eu a ando usando bastante no trabalho, pois tenho me dedicado à composição do repertório do meu próximo disco, e acho muitíssimo importante ter letras bem escritas. Por isso, às vezes, passo horas e horas pensando e tentando reformular melhor tal verso, trocar tal palavra, melhorar tal rima.

• Você possui uma rotina de leituras? Como escolhe os livros que lê?
Apesar de achar ideal, não possuo uma rotina de leitura, até porque não possuo uma rotina no meu dia-a-dia. Prefiro ler à tarde, quando tenho tempo, porque a leitura, por mais interessante e intrigante que seja, me relaxa a ponto de me deixar com sono. Então, acabo conseguindo ler pouco à noite, que seria o horário mais tranqüilo para isso. Não tenho apenas um critério para escolher os livros; às vezes, acato a indicação de algum amigo, procuro algum clássico que ainda não tenha lido, escolho pelo autor, por assunto. Tanto faz, o importante é ler.

• Você percebe na literatura uma função definida ou mesmo prática?
Sei que ela tem muitas funções, mas não acho que eu consiga enumerá-las. Costumo usar a literatura para aprender, para me entreter, relaxar, etc. E percebo que, mesmo que apenas por prazer e entretenimento, a literatura é capaz de ampliar a nossa cultura, de nos colocar em contato com a língua (o que está ficando cada vez mais difícil de se conseguir no dia-a-dia), de ensinar, de mudar alguns paradigmas sobre a vida, o mundo, as pessoas e até sobre nós mesmos.

• Como você reconhece a boa literatura?
Apesar de ter me formado em Letras e ter tido um contato próximo com o que é considerado o melhor da literatura da nossa língua, encaro isso de maneira bem simples: se o livro cumpre a função de entreter, acrescentar algo novo e está escrito em um português que pode ser considerado padrão, já é o suficiente pra mim.

• Que tipo de literatura lhe parece absolutamente imprestável?
Difícil dizer. Mas tive uma experiência, há pouco tempo, que me deu uma idéia do que, para mim, é difícil tolerar: era um livro sobre uma contadora de histórias, que, na minha humilde opinião, tinha boas tramas para narrar, mas nenhum talento para escrever. Ficava buscando uma sofisticação literária que não possuía, quando poderia fazer muito melhor se escrevesse de maneira simples, direta, sem floreios, não comprometendo, assim, a narrativa.

• Que grande autor você nunca leu ou mesmo se recusa a ler? Você alimenta antipatias literárias?
Nunca consegui ler Erico Verissimo. Tive um pequeníssimo contato com uma de suas obras quando eu era muito jovem, e ela não me despertou qualquer interesse. Mas isso é um “pré-conceito” que eu ainda pretendo quebrar.

• Que personagem mais a acompanha vida afora?
Não sei. Talvez a Capitu de Machado? Ou a Macabéa de Clarice. Difícil não parecer clichê ao responder isso. Gosto de personagens esféricas, profundas, enigmáticas. Aliás, gosto de todas as personagens de Clarice Lispector.

• Que livro os brasileiros deveriam ler urgentemente?
Todo bom brasileiro deveria ter um bom suporte literário na escola e se capacitar (porque, sem isso, acho complicado) para ler Macunaíma ― o retrato mais fiel e, ao mesmo tempo, ironicamente satírico do brasileiro. Sem contar que é uma leitura divertidíssima. Já percebeu que adoro superlativos, né? (risos)

• Como formar leitores no Brasil?
Quem sou eu para opinar sobre isso? Mas considero que a literatura deveria ser introduzida já pelos pais, na primeira infância, com historinhas infantis, de ninar. Na escola, acho que a leitura deveria ser trabalhada com parcimônia, começando pelo que é mais acessível (no quesito linguagem) e mais interessante para cada faixa etária, aumentando, gradualmente, o nível de dificuldade, para não assustar ou causar “traumas” nas crianças e jovens ― o que é algo que vi acontecer na minha geração e percebo nas gerações mais novas também ―, e tendo sempre a preocupação com a interpretação do texto. Muita gente acha que ler é “chato” simplesmente porque não consegue extrair o sentido daquela seqüência de palavras (não teve essa educação ao longo de sua formação), e porque não tem paciência para ficar parado com o livro nas mãos (por não ter adquirido o hábito, penso).

Luís Henrique Pellanda

Nasceu em Curitiba (PR), em 1973. É escritor e jornalista, autor de diversos livros de contos e crônicas, como O macaco ornamental, Nós passaremos em branco, Asa de sereia, Detetive à deriva, A fada sem cabeça, Calma, estamos perdidos e Na barriga do lobo.

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