Meditações de um perverso

Como podia haver um poeta camuflado nas frestas de minha existência, se poeta algum eu podia ser?
Ilustração: Mariana Tavares
01/07/2025

Disseram-me: “Você é um poeta”. Achei, primeiro, que falavam de outra pessoa. Depois me resignei, mas sabia que não era isso. Não consigo elevar-me a esferas tão altas, e poetas flutuam acima do mundo. São indiferentes às coisas, são inatacáveis. Borges tem um poema magnífico, Coisas, em que nivela as pobres e miseráveis coisas à inutilidade e ao desaparecimento. As coisas não atingem os poetas, mas eu, ao contrário, vivo grudado a elas.

Não, há algo muito errado aí, quem viu um poeta em mim olhou mais para si mesmo. Borges, que ficou cego aos 55 anos, também não precisava das coisas. Bastava-lhe ter, ou tentar ter, o domínio de si. “Você é um poeta”, a voz insiste, iludida, ignorante, perturbadora. Muitos se declaram poetas e não passam de malabaristas. Jogam com a linguagem, não lhe arrancam o coração, não a devoram. Não estendem suas longas franjas até o infinito.

Mas, penso agora, resignado com meu destino: se não sou um poeta, o que sou? Quando menino, tantos eram os desejos e as ilusões que me tiravam do prumo, que eu temia me transformar em um pervertido. A palavra que me infernizava era mesmo essa: perversão. Já meu pai assinalava que me faltava um contato sereno com a vida. “Basta viver”, ele me aconselhava. “Para que pensar tanto?” Jamais viu esse desvio como uma via de acesso à poesia, via mais como uma manifestação do mal. Talvez estivesse certo — e me legou a tarefa de transformar o mal em bem. Via como algo de que eu devia me curar. Bem que tentei, pai. Também eu acreditava que tinha nascido com uma falha mecânica. Um problema de conexão, como no wifi. Eu também acreditava na cura, tanto que me ajoelhei, em vão, nos confessionários dos jesuítas.

Nenhum esforço adiantou. Essa coisa — que alguns veem como “poesia”, embora não seja — continuou a martelar minha alma. As confissões abnegadas só serviram para me deformar os joelhos. A distância entre mim e o mundo só aumentava. Um dia, folheando tratados de psiquiatria na Entrelivros de Copacabana, descobri que havia em mim — os doutores afirmavam — uma perversão. Fui ao dicionário: “depravação”, “lascívia”, “corrupção”. Algo, desde o nascimento, me desviava de mim. Não é que me elevasse, ao contrário, me abatia. Me transformava em um “monstro”? Ainda hoje, a voz insiste: “Você é um poeta”. Mas o que, afinal, separa o poeta do monstro? Que marcas originais os distingue? Como distinguir o versejador do assassino? Li Dostoiévski com abnegação. Muita coisa entendi, mas não tudo. Nunca tudo. Sempre a maior parte fica de fora.

Como podia haver um poeta camuflado nas frestas de minha existência se poeta algum eu podia ser? Se todo desvio, todo atalho, tinha a aparência de um crime? Se toda ruptura provocava sangramento e dor? Ali estava o grande corte, o abismo, a fenda que me separava das coisas. Fadado a ser algo inalcançável, só me restava, ao contrário de Borges, me apegar à temeridade das coisas. Por isso me tornei repórter — um servo da realidade. Péssimo repórter, sempre fui. As coisas me escapavam e, no entanto, eu insistia. Repórter fracassado, aguilhoado pelo poeta que eu não podia, e ainda não posso, ser. Segurava-me nas margens, nas beiradas, dependurado nas bordas da existência. Vacilava, errava, fracassava. Ninguém me entendi, nem eu mesmo.

Enquanto eu insistia em lutar contra as coisas, enquanto eu perseverava na ilusão de realidade, a poesia — que já não era minha — se distanciava ainda mais. Eis a perversão: eu vivia, monstruosamente, fora de mim. “Esse menino está fora de si”, meu pai se lamentava. “Temos que levá-lo a um neurologista.” E levaram. Eu imaginava que o doutor fosse cortar minhas veias em busca da verdade que se escondia em meus nervos. Limitou-se a me observar. E depois disse: “Há algo errado nesse menino. Só não sei o que é”. Terá o doutor enxergado a fissura perversa que eu mesmo não conseguia ver?

Voltei à Entrelivros e aos tratados sobre a perversão sexual, que tanto me atemorizavam. Mais que isso: que me denunciavam. Terminaria eu, por causa da fenda escandalosa, transformado em um tarado de parque? Via-me de capa preta, escondido atrás das árvores, exibindo meu corpo nefasto. Via-me nas piores posições, sempre fazendo o que havia de pior. Estava muito confuso: seria essa fenda uma vagina interior? — eu me perguntava? Seria eu, em plena Copacabana, um hermafrodita?

“Você é um poeta”, a voz iludida, mas também atemorizada, insistia em dizer. E ainda hoje diz. Ainda hoje eu a ouço. Ser poeta será isso, carregar um rombo no peito? Distante de si, incapaz de lidar com o corpo, impotente, o poeta se eleva. Alçado fora de si, chega ao que é. Enquanto isso, eu fujo. Fujo do poeta que talvez pudesse ser, mas não sou. Fujo de um destino, ou de uma condenação? E é essa fuga, pervertida, covarde, ilusória, que me transforma em um monstro.

Meu pai, desolado, me dizia: “Nada mais posso fazer por você, meu filho”. Eu era um filho que se desviava do pai. Em vez de espelho, um muro. Eu observava meu pai e nada via além de um borrão. A grande fenda, na verdade, o grande abismo se abria entre mim e ele. Sem sua imagem, o que mais me restava além de fraquejar? Meu pai caiu em uma grande tristeza. Fechou-se. Não suportava encarar a grande fenda. Não, eu não podia ser seu filho. A partir daí, a voz se tornou mais nítida: “Você é um poeta”. Voz inútil, sentença vã, que ainda hoje ressoa em meu peito. Volto a Borges, sempre Borges: sou o livro caído atrás da estante, encoberto e esquecido, que a poeira devora no escuro.

“Você é um poeta”, a voz continua a esbravejar, inútil, porque não me salva. Poeta não sou, mas então o que serei? Preciso voltar à Entrelivros e folhear, mais uma vez, o livro que me condenou. O tratado sobre os perdidos. Perversos são esses garotos que hoje, cheios de si, espancam mendigos, prostitutas e gays. Que desprezam a compaixão. Neles, sim, o desejo se mistura com a crueldade. O desejo é a crueldade. Mas, se não sou perverso, o que serei? Serei enfim o poeta que a voz insiste em ver em mim? Serei só um poeta que foge? Será essa fuga a grande perversão?

José Castello

É escritor e jornalista. Autor do romance Ribamar, entre outros livros.

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