Hoje te vejo com uma flor vermelha no cabelo, aquela mesma flor que te deixou com jeito de “Carmen russa” numa festa clandestina no terceiro ano da Segunda Guerra Mundial. Te vejo viva, porque sendo lida, relida, traduzida, redescoberta no tempo de agora.
Estou entre esses que, uma vez tendo aberto teus diários, não os fecharam mais. Ali encontro mais sobre poética do que em muitos livros de teoria literária. Ali uma gula de juventude que catalisou sua madureza com Rilke sob o candeeiro por longas noites. Ali, também, a pangeia dos poemas que depois da guerra poderiam ter sido escritos, das botas do soldado nazi à Ursa Maior sobre os barracões de gente prestes a partir.
Volto à tua preocupação em como animar o silêncio e dar-lhe forma, volto aos teus estudos de contornos e matizes, teus titãs de dentro com sua forja. Uma preocupação de poeta, e uma visão, também de poeta, de que seria mais difícil animar esse silêncio, na escrita, do que encontrar as palavras. Onze cadernos de guerra, de alguém que sonhava ser poeta e murmurava por escrito, pedindo um verso por dia, ao menos um verso por dia.
Aquela flor vermelha no teu cabelo está lá, numa das entradas dos teus diários. Murcha na manhã seguinte à festa, ainda precisava de tempo para nascer como lembrança. Na tua imaginação, dali a algumas décadas, seria uma anêmona seca de contornos bem desenhados. Encarnaria a saudade de um dia desparceirado do horror da época, um dia de alegria, entre gente querida, que ali se perguntava onde cada um estaria dali a um ano. Hoje, teu aniversário, essa anêmona vermelha de silhueta bem nascida tem quase 80 anos.