Enquanto escrevo, pedregulhos caem na minha cabeça. Isso mesmo, pedregulhos da vizinhança barulhenta, que caem e retumbam pelas paredes, até entrarem de fato na minha cabeça, extraviando o caminho dos bons pensamentos. Sinto meu sangue acelerado. Tento me concentrar em respirar apenas, não esquecendo os tempos pantanosos de cidadãos armados e bandeiras do país tremulando horrivelmente nas janelas.
Mas essas paredes são feitas de papel ou o quê? Airadas feito os ossos de uma ave, sem qualquer leveza nisso, ao contrário. Então penso num verso de Primo Levi: “Não queria perturbar o universo”. Se ao menos um sentimento assim frequentasse as pessoas mais vezes. Se ao menos não perturbassem por descaso, só por acidente.
Há os que importunam por um mórbido prazer. Deve haver, se há tanta loucura e tanto ódio à vontade se exercendo, somados a tão pouco esforço de civilidade na diferença. E há os que não se importam, simplesmente não se importam. Esses são muitos, são centenas, são milhares, dos barulhentos por mau hábito aos sofredores resignados. Dos perturbadores inconscientes aos tristes perturbados.
É gente fechando a porta com o pé, num perfeito coice, é alguém num fim de noite arrastando uma mesa, ou então é a serra elétrica gritando de madrugada, do perturbador pretensamente camuflado no escuro da sua casa, ou a festa à luz do dia, estragando a paz do sábado, com o som de alguma daquelas músicas-chiclete, que alguém obriga o bairro todo a ouvir.
“Não queria perturbar o universo.” Para isso, um bom começo seria não querermos perturbar nosso próximo mais próximo. Se há os que não se importam, e eles são muitos, sejam bem-vindos a esta casa. Ela está à venda, feita sob encomenda da cidade para vocês. Enquanto tardam os interessados, é aguardar pelo próximo feriado, que leve os barulhentos para algum lugar longe daqui, onde irão se aglomerar, entre outros barulhentos, para continuar seu existir displicente.