O indígena Aldevan Baniwa tinha a sabedoria milenar de quem nasceu na floresta. E uma inteligência e uma presença de espírito só suas. Descobriu espécies de cogumelos luminescentes, escreveu um livro a respeito e ainda deu uma aula para os cientistas que foram visitá-lo. Quando caminhavam na mata escura, Aldevan sugeriu que eles desligassem as lanternas e, nesse momento, a paisagem ficou repleta de cogumelos luminosos. Um dos cientistas, perplexo, lhe perguntou: “Já andei por muitas florestas, por que nunca consegui ver isso?”.
Porque nunca apagou a lanterna. Às vezes, pra ver, é preciso desiluminar.
Seu conselho virou um bordão, repetido por muitos. E não foi só essa sabedoria que Aldevan espalhou por aí. Era um especialista em dengue e malária, trabalhando por muito tempo na Fundação Vigilância em Saúde. Poliglota, falava português, inglês, arranhava espanhol e arrasava no nheengatu, um dia a língua indígena mais falada no Brasil.
Teve duas filhas, gostava de fazer tambaqui na brasa e sempre tinha energia para tudo. Tanto que, já sofrendo os sintomas do coronavírus, ainda teve ânimo para denunciar nas redes o descaso das autoridades com a pandemia.
No último final de semana antes de falecer, colheu cogumelos. Que cada um deles agora ilumine Aldevan.
*** Esse obituário faz parte das dezenas de obituários que escrevi para o projeto Inumeráveis de março de 2020 até hoje. Quantas outras vidas ainda iremos perder desnecessariamente?