Vaidade das vaidades é perseguir o sentido final das palavras, aquilo que indica a significação de cada termo. Essa vaidade das vaidades é a sina cotidiana do tradutor: esse louco a perseguir algo que ninguém em sã consciência pretenderia alcançar. O leitor comum não busca tal excesso de refinamento. O tradutor — como leitor privilegiado, e sob o peso de uma responsabilidade absolutamente desproporcional ao reconhecimento — tem obrigação de fazê-lo.
A linguagem, por vezes, parece mais calar que dizer. Os textos não entregam todos os significados. Fica algo sempre oculto, informação perdida na mente de um autor já morto ou inacessível. O silêncio da linguagem e a circunspeção do texto — e aqui busco inspiração em Octavio Paz — indicam que é vão procurar ali o sentido final. Não há o que buscar fora da dança constante dos significados: o retrato estático da dança revela pouco sobre a complexidade de seu movimento.
A tradução é um processo dinâmico, que se revela na sempre presente necessidade de sua renovação. Não apenas é necessário traduzir os clássicos a cada geração, mas dentro de uma mesma geração é visível a demanda por revisões constantes das traduções (mesmo das boas traduções). A aceleração do fluxo de informação tende a tornar essa necessidade cada vez mais urgente.
A leitura é um processo dinâmico, como o próprio texto, mas a tradução tende a representar uma fotografia do texto, palavra suspensa na interrupção do tempo. Instantâneo que fica como um documento para gerações futuras: como tal texto era percebido em tal sociedade, em tal época. Perde-se aí parte do movimento e da riqueza do texto. Criam-se outro movimento e outra riqueza, como forma de compensação. Cria-se, às vezes, um novo original — não apenas no caso de uma tradução excepcionalmente feliz, mas no caso extremo do desaparecimento do original.
A tradução também se pode fazer dinâmica, quando intencionalmente o tradutor busca não apenas retratar o texto segundo sua concepção, mas tomá-lo como base para abrir novo leque de possibilidades e sugestões. Mas não é esse o caminho normal do tradutor, que trabalha com um olho no calendário (se não no relógio mesmo) e outro no crivo do editor. O script já vem traçado, e é difícil fugir de suas injunções. Sobra pouco espaço para a criação.
As restrições, contudo, não vêm só de fora, mas do próprio tradutor, que muitas vezes se policia para exorcizar as tentações da autonomia criativa. Criar muitas vezes é crime, especialmente em tradução.
A palavra solta, fora de contexto, pode não ter sentido final. O sentido se desenha na frase, se refina no parágrafo, se elucida ao final do capítulo. Cria-se um sentido geral, normalmente identificável. Só há dois problemas: em primeiro lugar, muitas palavras teimam, mesmo no contexto, em permanecer como que em aberto, a indicar ao mesmo tempo várias direções — rosa-dos-rumos sem norte. Segundo, o sentido geral do texto pode ser arisco, às vezes intencionalmente dúbio (sintoma da criatividade do autor), difícil enfim de retratar de maneira mais ou menos estática.
Octavio Paz dá a direção: as significações se anulam umas às outras. O sentido final, se um dia houve, se perdeu para sempre. Sobra, do texto, na tradução, o esforço de retratar, num único instante, toda a graça da dança das palavras. Desespero.