Nossas zonas azuis

A busca por uma existência em que o sonho se transforma numa vida mais calma, norteada pela literatura
Ilustração: Eduardo Mussi
02/02/2025

Muito se fala das tais zonas azuis, os locais do mundo onde a humanidade seria mais feliz e com mais qualidade de vida. Mas o que mede nossa medida de azul? O que me faz feliz não é o que faz meu vizinho mais feliz, claro. A neve faz brilharem os olhos da minha mãe, mas eu prefiro o mar calmo de certas cidades sem inverno… O parâmetro muda também. Há momentos em que eu quero sentir um vento gelado para me aliviar dos verões eternos da minha cidade; há tempos em que o frio me desperta geleiras que eu prefiro esquecer.

As viagens de férias acendem esse desejo de encontrar outros lugares no mundo onde viver. Estou em Barcelona agora. E novamente senti aquele desejo de sair do país e testar minha capacidade de sobrevivência em outros céus. A Espanha me pareceu um lugar especial para esse movimento. Viver entre os livros tem isso de maravilhoso: podemos estar onde nos sentimos melhor a fim de produzirmos mais… Penso então que neste momento algumas cidades da Espanha seriam minhas zonas azuis. Imagino como seria minha nova vida por aqui. Invento itinerários, rotina, possibilidades várias de trabalho, projetos, ideias… Não vou levar nada disso a diante quando a vida real voltar a acontecer. Estarei de volta ao Rio de Janeiro para o caos de sempre. Só que chega um estágio da existência em que o sonho precisa deixar de ser sonho e se transformar, quem sabe, em uma zona azul para que possamos existir com mais calma. Será?

Minha zona azul, hoje, é o céu claro e abundante de Barcelona. Vou tentar fazer demorar meu pensamento naquelas ruas tão bem desenhadas, pegar uma bicicleta e ir até o mar. Imagino as histórias que vou criar. Os personagens novos que vão invadir meu texto e minhas páginas. Penso que mereço sair das zonas cinzas, de medo e apreensão, dos passados difíceis, dos tormentos diversos que nos assombram, para entrar na paleta da criação. Talvez minha zona azul seja um lugar que acenda minha vontade de escrever e produzir mais já que eu não sei viver longe dos livros. E também um lugar onde haja um cheirinho de mar.

Claudia Nina

É jornalista e escritora, autora dos infantis A barca dos feiosos, Nina e a lamparina, A repolheira Ana-Centopeia, entre outros. Publicou os romances Esquecer-te de mim (Babel) e Paisagem de porcelana (Rocco), finalista do Prêmio Rio. Assina coluna semanal na revista Seleções. Seu trabalho mais recente é a participação na antologia Fake fiction (Dublinense). Alguns textos da coluna da Seleções estão no seu podcast, disponível no Spotfy, lidos pela própria autora.

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