Quando se viaja muito, a gente se esquece de perceber o quanto passa a habitar espaços de ninguém que são os hotéis e os aeroportos. Por mais que se tenha saudade do aconchego da casa, começo a achar que estes espaços suspensos são mais do que necessários; são momentos essenciais na vida de alguém que escreve. Não consigo imaginar uma vida criativa sentada em frente a um computador, aguardando a visita da inspiração. Preciso do deslocamento e acho que a minha literatura se alimenta destes passos da mente fora do esquadro do pertencimento.
A vida do escritor que precisa trabalhar com os livros (aqueles que não têm uma fonte sólida de sustento) exige a movimentação, porque se não estão nos eventos que muitas vezes ele mesmo organiza, sua roda não gira. Por isso, tantas vezes bate o medo e a vontade de desistir, captada por um dos meus pequenos ouvintes em uma escola de Resende, onde estive recentemente: “Tia, você já pensou em desistir?”. Ele deveria ter uns 8 anos no máximo. Eu não havia falado em desistência, mas talvez pelas minhas palavras ele tenha percebido o não-dito.
Sim, muitas vezes pensei em desistir, mas a dor da desistência de fazer o que mais amo é maior do que seria a dor da desistência. Não escrever, não expressar os assombros e as perplexidades, não deixar fluir a imaginação e o desassossego são impossibilidades para mim. Então eu sigo, entre um evento e outro, um hotel e outro, um aeroporto e outro. Conheço rostos desconhecidos, vejo passarem por mim vidas e famílias, esperas, encontros e partidas. Gosto de estar nestes lugares de ninguém.
Assim que eu chego em casa e me recupero, já começo a imaginar outros deslocamentos e possibilidades de atuação com meus livros. É uma vida intensa. Muitas pessoas ao redor e mesmo familiares não entendem, mas não devemos viver na tentativa de explicações. O trabalho da arte não é compreendido em geral por quem trabalha de forma mais burocrática. Como explicar para alguém que se organiza em escritórios e repartições que muitas vezes não fazer nada, olhar o movimento de aeroportos, observar simplesmente um entardecer, é parte do trabalho da imaginação?
Melhor nem tentar. Esse esforço cansa e tira do escritor a energia necessária para não desistir…
Não-desistir, verbo composto.