Na primeira coluna falei que pretendia usar este espaço, entre outras coisas, para discutir algumas das principais vertentes teóricas dos estudos da tradução. Nada que aborreça muito o leitor, espero. A teoria de tradução é às vezes maçante, às vezes árida demais, admito, mas também pode ser instigante. Acho, aliás, que é mais instigante que qualquer outra coisa.
Veja o caso da desconstrução aplicada à teoria tradutória, por exemplo. Realizou o que, modestamente, considero uma verdadeira revolução na área, aquilo que alguns chamariam de “mudança de paradigma”, para usar um termo caro à academia. Não que a desconstrução seja algo amplamente aceito. Longe disso. De fato, há uma resistência muito grande à desconstrução, na universidade e fora dela.
Para muitos, desconstrução cheira a relativismo absoluto, a um vale-tudo incompreensível e inaceitável. Para outros, é um exercício de análise crítica bastante coerente. Mas o que é mesmo desconstrução? Parafraseando o Oxford English Dictionary, é uma estratégia de análise crítica que busca revelar suposições metafísicas inquestionadas e contradições internas na linguagem filosófica e literária. O filósofo francês Jacques Derrida é tido como o pai da matéria.
Para Derrida, se houvesse uma palavra que pudesse resumir a desconstrução, seria divisibilidade. Para ele, desconstrução é uma divisão, uma análise interminável. Ou, noutra definição, é a busca do promissor texto marginal, a dura consciência da impossibilidade de alcançar a origem, o texto-presente-para-si-mesmo.
Sim, mas o que isso tem a ver com tradução? Acontece que vários autores, entre eles alguns brasileiros, vêm articulando as duas coisas, num ataque impiedoso às teorias tradicionais de tradução. Simplificando ao máximo, pode-se dizer que as teorias tradicionais acreditam que a tradução de uma língua para a outra se dá pela transferência ou substituição de significados estáveis. Na passagem, o importante é conservar os significados, procurando perder o menos possível. A própria palavra “tradução” tem a sua origem num termo latino cujo significado é “ato de transferir”.
A visão desconstrutivista da tradução procura apontar alguns pontos fracos encontráveis nessas idéias tradicionais, que são fruto daquilo que Derrida chama de logocentrismo, a crença numa visão cartesiana do mundo, centralizada em verdades absolutas e imutáveis. E quais são esses pontos fracos?
Um deles, talvez o mais óbvio, é a noção de imutabilidade dos significados. O desconstrutivista argumentaria que o significado não pode estar pregado à palavra, pois depende basicamente de uma interpretação. Noutras palavras, o significado seria atribuído, e não inerente à palavra. Seria sempre “provisório e esquivo”, como diria Rosemary Arrojo, o principal nome brasileiro da vertente desconstrutivista da tradução.
Por trás dessa discussão teórica, há algo bem mais prático: a busca da valorização do trabalho do tradutor. Para o desconstrutivista, as teorias tradicionais depreciam o ato tradutório, pois pressupõem uma espécie de cópia mecânica – daí os duvidosos programas de tradução automática. A desconstrução, por outro lado, teria o mérito de elevar a tradução ao status de ato criativo. Fecho com a segunda hipótese, sem dúvida.