Quem fala, teoriza, especula sobre tradução volta e meia vê-se a braços com uma questão arisca, fácil de formular e difícil de sequer começar a reponder. Tradução, afinal, é ciência ou arte? Ou uma mistura das duas? Se mistura, em que proporções?
Traduzir é um ofício esquisito, aparentemente tão básico, quase mecânico. Como copiar. À distância, a facilidade é gritante. Quem duvida agride o bom senso, parece. Quanto mais perto se chega, menor é a aparência de facilidade. Cara a cara, é fácil perder-se na emaranhada complexidade de uma tarefa quase impossível. Quantas alternativas há? Vontade dá de ter à mão um manual, um guia, uma tabela fixa de tradução palavra a palavra. É o desejo da exatidão, de transformar a tradução em ciência exata.
George Steiner diria que, na tradução, lidamos na verdade com uma “arte exata”. Não ajuda muito. O que viria a ser uma arte exata? Arte e exatidão parecem não se dar muito bem, às vezes são tidos como par de opostos. Ou é arte ou é ciência exata. O que vem a ser uma “arte exata”? A criatividade regulada pelas restrições da necessária exatidão na transmissão da mensagem? Ou mero jogo de palavras, arroubo da tentação de, unindo termos aparentemente opostos, gerar o encanto pelo estranhamento, pelo impensável que atiça o pensamento.
Noel Delamare joga um jogo diferente, talvez mais sutil e provocador: “A tarefa do tradutor é eminentemente artística, mas toda arte é ciência aplicada, com um toque pessoal inconfundível; ou então é arte ‘primitiva’, ingênua e indigna de um artista consciente”. Taxativa, a afirmação parece proibir a mera idéia da contestação: toda arte é ciência aplicada. Resta uma sombra de dúvida? Ciências entrecruzam-se na tradução, talvez. Difícil é determinar o peso e a medida de sua contribuição.
Georges Mounin segue a mesma trilha, arriscando ser a tradução uma arte alicerçada numa ciência. A relação entre alicerce e edifício é de sustentação, mas em que ciência o tradutor pode buscar esteio? Na lingüística aplicada? Na tradutologia(!)?
A relação da tradução com a ciência será, quem sabe, de outra natureza, menos firme, mais fluida. Relação frouxa de coordenação, não de subordinação. O traduzir lança seus tentáculos à volta toda, em busca de fonte em que beber. É relação circunstancial, paixão tipo fogo de palha, sol fraco de inverno.
Não existe, nem poderá jamais existir, algo que mereça o nome de ciência da tradução, diria Octavio Paz. Mas diria ele também, e com isto concordo, que a tradução dá um excelente objeto de estudo científico. Estudo pós-ato, pós-tradução. No sentido de que se pode estudar o texto traduzido e até o ato de traduzir, mas não se pode prever nem prescrever como traduzir. A não ser por toscas aproximações, que dificilmente mereceriam o nome de ciência.
É como a máquina de traduzir, experimento científico que justamente procura determinar o como do traduzir. O resultado decepciona para quem exige um mínimo de qualidade. Tradução é arte, e arte e ciência parecem, nesse caso, manter uma distância, mais que respeitosa, inconciliável.