Não existe ferramenta mais útil à disposição do tradutor que o bom e velho dicionário. É certo que outras ferramentas há, e muito variadas: gramáticas, glossários técnicos e especializados, livros sobre técnicas de tradução, livros sobre teoria e estratégia tradutórias, enciclopédias, listas de “falsos amigos”, a internet etc. Mas nada substitui, no labor metódico do tradutor, um simples dicionário.
Em primeiro lugar, os dicionários bilíngües. Historicamente, foram os primeiros a surgir — em função da necessidade do intercâmbio entre povos de línguas distintas. Mais simples e diretos, mas marcados por inescapável arbitrariedade na escolha das correspondências, os bilíngües resolvem boa parte dos obstáculos lexicais encontrados numa tradução. De/para o português, encontram-se hoje muitas e boas opções. Há boas alternativas nos pares português/inglês, português/francês, português/espanhol, e algumas versões eletrônicas de bons dicionários — o que facilita, em muito, a vida do tradutor.
Mas os bilíngües de forma nenhuma eliminam a necessidade de intensa consulta (o “folhear inteligente”, no dizer de Paulo Rónai) aos bons monolíngües — seja da língua-fonte, seja da língua-alvo. Hoje o português atravessa uma fase excelente nesse campo. Nos últimos cinco ou seis anos, surgiram no Brasil opções de alta qualidade — o Houaiss e novas edições do Aurélio e do Michaelis. São obras que colocam o Brasil e a língua portuguesa em posição respeitável mesmo diante de línguas tradicionalmente mais poderosas, como inglês, francês e espanhol.
Os melhores dicionários de português (todos eles, aliás, produzidos no Brasil) têm entre 150 mil e 230 mil verbetes. É quantidade superior, por exemplo, à encontrada nos melhores dicionários de espanhol — que mal chegam a alcançar 90 mil verbetes. Não deixam, também, de fazer bonito perante dicionários de inglês — embora haja, nos Estados Unidos e na Inglaterra, dicionários que vão bem além disso: caso, por exemplo, do Merriam-Webster (480 mil verbetes) e do Oxford English Dictionary (290 mil).
No inglês, a fartura de bons dicionários chega a entusiasmar. A segunda edição do Webster’s New International Dictionary, por exemplo, chega a alcançar 600 mil verbetes — com a inclusão de dezenas de milhares de entradas enciclopédicas. O colossal Oxford English Dictionary, apesar de não ter número tão grande de verbetes, impressiona pelo detalhamento de cada entrada: são nada menos que 20 volumes — uma verdadeira enciclopédia da língua inglesa.
Para quem traduz do inglês para o português, ou vice-versa, portanto, as opções de dicionários monolíngües são muito vastas. As veredas que se abrem à pesquisa são múltiplas, e certamente nem todas palmilháveis — mesmo com todo o esforço do bom tradutor. As inúmeras sugestões dos dicionários abrem grande espaço para dúvidas — dúvidas iluminadas, é verdade.
O dicionário é ferramenta e cruz do bom tradutor. Na rede emaranhada do texto, surge ele como o que pode ajudar ou confundir. Parafraseando Roland Barthes, a própria “coisa” que o tradutor tem que traduzir não passa de um dicionário todo composto, cujas palavras só são entendíveis por meio de outras, num turbilhão incontornável de sinonímias aproximadas, correspondências temerárias e paráfrases obscuras.