A visibilidade do tradutor na tela do cinema

Não sei se se faria um filme sobre tradução. Quem sabe a biografia de um grande tradutor renda uma boa história na telona
01/05/2004

Não sei se se faria um filme sobre tradução. Quem sabe a biografia de um grande tradutor renda uma boa história na telona. Talvez já tenham até feito, e eu desconheça. De qualquer modo, a tradução vem ganhando visibilidade nas grandes telas do Brasil. De alguns anos para cá, começou-se a informar, pouco antes dos créditos finais dos filmes — às vezes em letras de tamanho até bom —, o nome do tradutor. O autor das legendas.

Já não era sem tempo. De fato, não apenas a produção de textos traduzidos — e as legendas de um filme são, claro, uma produção textual — tem aumentado, mas também tem crescido o destaque dado aos autores da tradução. Um bom mercado para diletantes e profissionais do ofício. Especificamente quanto aos filmes, boa oportunidade para uma reflexão ligeira sobre a tradução no cinema.

A primeira coisa que chama a atenção na tradução de um filme é, claro, o título. Motivo maior de controvérsia, os títulos de filmes estrangeiros são freqüentemente transformados na passagem para o português. Não bastaria dizer que a motivação mercadológica determina a produção — ou a tradução — de um título de obra cinematográfica. Tem muito de marketing, sim, mas também tem muito de arte.

Traduzir textos curtos é, muitas vezes, um grande desafio. É engraçado como a coisa sucinta — e, portanto, aparentemente estreita e pequena — abre espaço para tantas possibilidades. Parece que quanto menor o número de palavras de um texto, maior o número de palavras que, em outra língua, se aventuram a assumir seu lugar. O excesso de concisão tira o apoio do tradutor — reduz o espaço do contexto, e impõe dificuldades que só se dissolvem em consulta a outros tantos textos.

Diria Leminski que a melhor tradução de Some like it hot não poderia mesmo ser outra senão Quanto mais quente melhor. Sem dúvida, foi uma boa opção. Um título no mínimo sugestivo. Textos curtos têm mesmo que sugerir, são próprios para isso — e um título, de quase qualquer coisa, tem que sugerir muito — até para vender mais.

Nelson Ascher criticou, outro dia, a tradução de Dog day afternoon por Um dia de cão. Sugeriu que Uma tarde de calor seria mais apropriado. Mas, cá entre nós, não dá para comparar o apelo da frase “um dia de cão” (expressão carimbada no português, e sugestiva para um filme) com a monotonia de “uma tarde de calor”. Em termos de título, abstraindo da correção da tradução, a primeira alternativa é bem melhor.

Na tradução de um filme, aliás, não só o título tem que ser curto. Não é difícil perceber que as legendas têm de passar a mensagem com muito menos palavras que as usadas na produção original. As falas às vezes são longas, mas as legendas são necessariamente curtas — sob pena de o espectador simplesmente não conseguir ler tudo em tempo hábil. A concisão é a marca da tradução no cinema.

Mas há grande distância, ninguém duvida, entre a concisão forçada e o erro. Erro no sentido de usar uma palavra que provoca estranhamento sem um toque sequer de arte ou razão. Como traduzir, como vi recentemente num filme, U-boat por U-boat. Não se deveria ir tão longe em nome da brevidade. De fato, “submarino” não é palavra assim tão grande. Mas essa é outra história. Os erros nas legendas traduzidas exigem espaço bem maior, e são uma fonte inesgotável de risos. Mas fica para a próxima.

Eduardo Ferreira

É diplomata, jornalista e tradutor.

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