Não. Não há, nas livrarias pelo Brasil afora, e mesmo na internet, grande sortimento de livros sobre tradução — seja qual for o aspecto abordado. Surgiram, nos últimos anos, algumas obras importantes, especialmente sobre questões teóricas ou sobre a relação entre literatura e tradução. A oferta tem aumentado, é fato, mas ainda anda escassa diante do potencial do tema.
Mas há, na literatura brasileira sobre tradução, algumas obras clássicas, às quais sempre vale a pena voltar o olhar em busca de inspiração. Já se falou de algumas delas aqui — mencionaria A tradução vivida, de Paulo Rónai, ou A arte de traduzir, de Brenno Silveira —, mas há ainda outras a citar. Tradução: ofício e arte (Cultrix-Editora da USP, 1986), do professor Erwin Theodor, é uma delas.
Publicado originalmente em 1976 — um ano depois de A tradução vivida —, Tradução: ofício e arte pode ser considerado um clássico do gênero. Não apenas pelas qualidades da obra, mas pelo deserto que a cercava então — e que, talvez ainda se possa dizer, ainda a cerca hoje.
No prefácio à primeira edição, lia-se, em tom carregado de ceticismo, que “apesar de essencial, [a tradução] continua sendo negligenciada pela crítica em geral”. A obra de Theodor poderia servir como contraponto, como provocação que despertasse atenção para esse fenômeno.
Theodor — jornalista, tradutor e professor de língua e literatura alemã — escreve num momento em que se acreditava que o tema tradução viveria um boom, uma explosão de reflexões, livros, conferências, matérias na imprensa. Em parte, essa expectativa frustrou-se. Houve, é certo, um aumento da atenção dispensada ao assunto — assim como também parece haver hoje. Parece.
O livro se divide, como sugere o título, em duas partes. Na primeira, discute-se a tradução como ofício. É o momento de falar sobre a formação do tradutor, suas qualidades desejáveis — com ênfase para o tradutor da literatura —, a isso acrescentando algumas pitadas de teoria de tradução e a discussão de alguns exemplos práticos.
A parte mais saborosa — a arte — é aquela em que se analisam as possibilidades de transgredir, com inventividade, as regras naturais da tradução. Surgem os desvios. É aí que Theodor explicita suas (não exatamente suas) noções de “versão” (tradução exata com incorporação do elemento artístico) e “recriação” (tradução artística pouco exata). É aí também que, em meio a mais fragmentos teóricos e novos exemplos de traduções, Theodor sofistica a reflexão sobre a tradução literária, propondo um pensar instigante sobre as várias estratégias, técnicas e desvios que compõem essa complexa arte-ofício.
Acima de tudo, porém, traduzir envolve a vivência de um texto. É preciso exprimir — com o instrumental que a nova língua oferece, mas com o estilo que é próprio do tradutor — a experiência ganha com a leitura e a análise de um texto estrangeiro.
A tradução supõe uma técnica — daí o ofício —, mas mira acima de tudo a arte. Status de arte é o que almeja a tradução literária. A arte, essa coisa sagrada, vem pelas mãos do hermeneuta, numa busca de sentido que leva do original à tradução. Certo que é sentido descendente, mas a queda de um nível não implica a perda desse status. O resto são misérias — misérias típicas de uma tarefa impossível. Sempre o gosto acre do quase e do imperfeito. Em tradução literária, “tudo continuam problemas”. Por isso é bom voltar aos clássicos.