Desencontros familiares

"O que pesa no Norte", de Tiago Germano, traz o relato de uma busca, mas é um livro sobre ausência e abandono
Tiago Germano, autor de “O que pesa no Norte”
01/03/2024

O pai em busca do primeiro filho (Guilherme) que ele nunca conseguiu encarar porque fugia às suas expectativas de paternidade, planos familiares que apenas o filho mais novo (Gustavo) conseguia corresponder. Um primogênito acuado, que teve de sair de casa para tentar ser quem ele era. O que pesa no Norte, romance de Tiago Germano, traz o relato de uma busca, mas é um livro sobre desencontro, ausência e abandono. Desencontro entre desejos, ausência dos pais pela falta de empatia e excesso de valores equivocados, em meio ao abandono afetivo ao longo da história de uma criança.

O cenário é o centro de São Paulo, um espaço também desconhecido e isolado, que vive à margem, social e culturalmente, do restante da cidade. Apesar de estar incrustrada na Zona Oeste, a mais rica da cidade, e bem longe da periferia paulistana. O centro, onde antes residiam os Barões do Café, agora habitado por artistas alternativos e mambembes em meio a botecos com salgadinhos requentados, prédios abandonados invadidos e zumbis da cracolândia.

Aos poucos, o pai vai encontrando pistas sobre o filho, pistas que ele corre atrás, insiste, até conseguir retomar o fôlego para prosseguir e se ver de volta ao mesmo lugar. Esse pedaço da cidade é um labirinto, e o enredo do livro reproduz caminhos erráticos, independentemente de boas intenções e objetivos razoáveis. Os recursos narrativos, talvez com a mesma intenção de aproximar forma e conteúdo, trazem fragmentos de memórias, cartas, bilhetes, mensagens e reflexões sobre o teatro e o que é ser ator, caminhos percorridos pelo filho que, de repente, sumiu.

A escrita de Tiago Germano é detalhada nos cenários, nos diálogos, nas descrições de lugares e de personagens. O enredo vai lentamente retratando um protagonista demasiadamente humano, solitário e, talvez, tão perdido quanto o próprio filho. O peso do Norte é o peso de uma família de classe média nordestina incapaz de se abrir para o mundo e para o filho, que se atreveu a abandonar o curso de direito para assumir, mal ou bem, seu lugar no mundo.

À procura do filho no Sul, o pai nordestino se esquece da mãe, do resto da família, se esquece de si mesmo. No apartamento em que o filho morou, nos bares que frequentou, no balcão do teatro em que ensaiava, nas pessoas que o conheceram, o pai vai compreendendo a distância que havia entre eles e, ao mesmo tempo, o desejo desesperado de um reencontro que ficará em suspenso ao longo do livro, aumentando a tensão conforme se aproxima do desfecho e, desse modo, prendendo a atenção e o interesse do leitor.

O que pesa no Norte
Tiago Germano
Moinhos
295 págs.
Tiago Germano
É escritor e jornalista, com doutorado em escrita criativa pela PUCRS e estágio na School of Drama and Creative Writing da University of East Anglia, na Inglaterra. Nasceu em Picuí (Paraíba), e reside em João Pessoa, onde é cofundador da Edícula Literária. É autor do livro de contos Catálogo de pequenas espécies (2021) e da coletânea de crônicas Demônios domésticos (2017), indicada ao Jabuti e vencedor do Prêmio Minuano de Literatura. Pela Moinhos, o autor publicou o romance A mulher faminta (2018), e O que pesa no Norte, semifinalista do Prêmio Oceanos 2023. É resenhista da plataforma de leitura Goodreads e possui uma coluna bimestral no suplemento literário Correio das Artes.
Ana Cristina Braga Martes

É socióloga e escritora. Autora de A origem da água.

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