Um dia, Isadoro cismou que era planta. Ficou num canto da sala, teso, com os braços para cima. Evalda, a patroa, julgou que podia ser mais uma arrumação do marido, conhecido por suas pandegagens.
Passadas algumas horas, como o quadro não se alterava, ligou para o farmacêutico do bairro. Seu Xavier fez uma averiguação no vegetal e sugeriu:
“Aí só levando no Doutor Cabeça”.
Dia seguinte, Isadoro foi ao psiquiatra do postinho. Não houve lá muita interação com o doutor Sizefredo, o homem continuava mais duro do que pau-ferro em floresta tropical. O Doutor Cabeça receitou relaxante muscular e rega de dois em dois dias.
Evalda não se satisfez com a diagnose. Foi atrás de outro profissional, dessa vez no hospital municipal do Jardim Maria Rosa.
A tarefa não foi brincadeira. Um custo botar o cônjuge no vagão da CPTM, acomodar de pé no corredor, e não deixar sacudir muito. Isadoro lacrimejava se lhe caíam as folhas.
O segundo psiquiatra, o freudiano de carteirinha Alarico, ficou mais tempo analisando o paciente verde. Auscultou pulmão, ouviu coração, olhou dentro de pupila. No final, deu a letra:
“É caso raro. Ele trocou de personalidade e, para voltar a ser o de antes, vai precisar fazer um bom tempo de psicanálise”.
A esposa murchou, mas não largou mão da causa. Isadoro foi se tratar com uma recém-formada, doutora Deusimar. Duas vezes na semana, era trazido à sala da residente na faculdade de Medicina. Ali ficava, o tempo todo, calado feito um criado-mudo.
Depois de três anos nessa lida, não melhorou um tisco. Lembrava até uma jaqueira de tão incomunicável.
Isadoro tinha um afilhado chamado Alcenor. Era menino estudioso, entusiasta de ecologia e outras mumunhas do meio ambiente. Vendo a situação do padrinho, não deixou de se amofinar. Porém, cevado nas Ciências, tempos depois aconselhou Evalda a aceitar o estado de coisas:
“Vai saber, tia, tem lance aí na Mãe Natureza muito confuso. E se ela quiser que o dinho Dó seja um pé de manacá? Logo ele vai dar aqueles cachos de flor bonitos e não há quem atravanque o processo natural da flora…”
Num sábado, para aplacar a tristeza, Evalda tomou mais aperitivos do que permitia a feijoada. Ficou ali, em pé na sala, reparando o marido-tronco no jardinzinho da casa. Foi recordando o baque de presenciar o companheiro virado na fotossíntese, as terapias dando em coisa nenhuma, a falência da medicinice para certos adoecimentos.
É sabido: toda gente tem um instante em que sai do prumo. Aquela foi a hora de Evalda. Pisando duro, marchou até a garagem, apanhou o machado de lascar as achas, e veio ter com o enraizado. Foi levantar o instrumento de corte para Isadoro logo meter um brado:
“Faz isso não, Vavá! Deus castiga quem maltrata as plantas!”.