🔓 O jogo da amarelinha

01/04/2013

“Uma das questões indesviáveis da arte contemporânea, em todos os campos da experiência criativa, são as formas de endereçamento da obra ao seu interlocutor. Como pensar a dimensão relacional de uma peça de teatro, de um filme ou mesmo de uma obra musical, visual ou literária? Qual o lugar do outro na presentificação do gesto artístico? Julio Cortázar, mas não apenas ele, já articulava essas e outras tantas questões sobre a arte no campo da vida e vice-versa, quando em 1963 lançou o labiríntico contra-romance Rayuela(O jogo da amarelinha, em português). No livro, o leitor é convocado à participação. É quase como se não fosse possível a existência da obra dissociada do leitor como função criativa. Sua estrutura polissêmica articula-se nas possíveis relações com um leitor imaginado. Oferece-se, logo de cara, um tabuleiro de direções que propõe duas formas de leitura: uma linear, do primeiro ao quinquagésimo sexto capítulo; outra começando pelo capítulo setenta e três e percorrendo todo o livro de maneira lúdica e singular. As duas opções estimulam, evidentemente, uma terceira, aquela escolhida por cada um para sua viagem inédita. Assim, ampliando ao infinito as possibilidades de leitura, o livro converte-se em objeto vivo, pulsante, em máquina de sentidos, geradora de fluxos insuspeitados. Cortázar se surpreendeu com a avalanche de jovens que buscavam percorrer os labirintos de Horácio e Maga. A mim não me surpreende que, a cada geração, jovens do mundo todo continuem buscando nas páginas de Rayuela a expansão de seus sentidos. Foi assim comigo e é sempre, pois na minha cabeceira, em todas as minhas cabeceiras, estremece e repousa um velho exemplar, que me faz reanimar a busca ‘… porque você será um homem e também procurará como um grande tolo…’.”

Marcio Abreu é dramaturgo, diretor e fundador da Companhia Brasileira de Teatro.

Rascunho