O clássico A revolução dos bichos, de George Orwell, ganhou uma versão em que a história dos animais que se rebelam em uma fazenda se passa no Brasil, mais precisamente em Brasília, escrita pelo carioca Henrique Rodrigues, colaborador do Rascunho. A história se constrói, tal qual em Orwell, ao redor de um grupo de animais que, sentindo-se explorados, expulsam os humanos da fazenda onde moram, em busca de uma vida mais digna.
Ao assumirem controle sobre o lugar, os animais estabelecem novas regras de convivência, expressas por meio de sete mandamentos que devem nortear os dias futuros. Conforme o tempo passa, entretanto, a prevalência de um grupo sobre os demais ganha novos contornos, ameaçando os ideais de igualdade e liberdade da Revolução dos Bichos em sua origem.
Com ilustrações em cor e uma linguagem adaptada ao público juvenil, a versão de Rodrigues, que é autor de 17 livros, se desenrola em 11 capítulos. Já no primeiro deles, vemos um porco idoso chamado Major realizar um discurso em que destaca a situação geral dos animais.
Menciona o fato de receberem pouca comida, trabalharem muito, forçosamente, e de ainda serem sacrificados ao fim da vida. Ao que conclui: nenhum animal é verdadeiramente livre no Brasil. Como afirma, os animais fornecem o alimento humano e ainda assim são escravizados pelo homem, sem o qual poderiam possuir o que produzissem, inclusive plantando nos solos férteis do Brasil. Dessa forma, conseguiriam alcançar liberdade e prosperidade por si próprios, conclui.
Tal discurso comovente incita os animais a, nos meses seguintes, prepararem a chamada Rebelião. Até que, em certa ocasião, quando o proprietário da fazenda e seus trabalhadores se esquecem de alimentar os animais, surge um motim, e os humanos são expulsos da Fazenda Solar a chifradas, coices e mordidas.
Agora no comando, os animais, triunfantes, escrevem o conjunto de leis-base do novo sistema, fundam a Fazenda dos Bichos e passam a ter uma rotina mais calma e leve, próspera e feliz. Pouco a pouco, porém, por terem sido os líderes da revolução, os porcos começam a receber alguns privilégios e a travar disputas internas. Certo dia, diante de um desacordo entre os porcos regentes, Napoleão e Bola de Neve, o primeiro expulsa o segundo da propriedade ao utilizar, para ameaçá-lo, cachorros treinados.
Na sequência desse ato, o ambiente de convivência se transforma ainda mais drasticamente: os mandamentos começam a ser alterados, sem que a escolha seja coletiva, e apenas de forma a favorecer os porcos do alto comando da fazenda. Também o regime de trabalho dos animais se modifica, e eles voltam a viver sob condições muito parecidas com aquelas em que se encontravam sob controle dos humanos.
O leitor acompanha, no decorrer dos capítulos finais, a escalada de repressão e autoritarismo na Fazenda dos Bichos, com os animais cada vez mais sob o clima de censura e repressão, enquanto os porcos enriquecem e se beneficiam de forma crescente, em farta oposição à situação da maioria. Há também o fato de alguns companheiros serem punidos ou desaparecerem sem explicações.
Assim, de maneira astuta, e no ensejo de Orwell, Henrique Rodrigues mostra os elementos de desinformação e violência que atravessam regimes autoritários, muitas vezes implementados e mantidos sob um discurso de liberdade e mudança.
Manipulados por Napoleão e o fiel escudeiro Gogó, os animais perdem seus direitos continuamente, enquanto os porcos ganham privilégios e mantêm seus interesses em dia, apoiados sobretudo pelas ovelhas, que reiteradamente chamam Napoleão de “mito”.
Em infeliz coincidência com exemplos reais, mesmo em governos ditos democráticos, o livro aborda importantes debates do presente, servindo de esteio para o pensamento crítico e compondo um alerta sobre questões relevantes da vida em sociedade.