A celebrada autora francesa Annie Ernaux, que publicou sucessos em seu país, como o romance Os anos, tem mais uma obras traduzida para o português. A vergonha, traduzido para o português pela poeta Marília Garcia, traz novamente a prosa memorialística e autorreferencial da francesa.
Ao se debruçar sobre um episódio de violência doméstica do pai contra a mãe quando tinha doze anos, a escritora põe em curso o doloroso processo de rememoração de uma experiência traumática, ao mesmo tempo que identifica nesse incidente a gênese de um sentimento que passaria a acompanhá-la para o resto da vida.
“Meu pai tentou matar minha mãe num domingo de junho, no começo da tarde”, escreve Ernaux. “Era normal sentir vergonha”. O episódio de violência inaugura na escritora uma hiperconsciência de si e da própria família que, anos mais tarde, quando já reconhecida pelo sucesso de O lugar, destrincha neste livro ao reconstruir com precisão quase científica a vida na cidade de Y., bem como os usos e os costumes de sua classe social.
No esforço de situar o incidente que encerra sua infância no contexto da história mundial, Ernaux visita os arquivos da cidade de Rouen em busca das notícias de jornal de 1952, em uma cena que os leitores já iniciados em sua obra identificarão como embrionária de Os anos, considerado por muitos seu maior livro.
Como de costume, Ernaux entremeia a narrativa factual a reflexões sobre a escrita e o ato de traduzir em palavras um trauma que jamais ousara acessar. Marco importante de sua trajetória, é em A vergonha que pela primeira vez aparecem as indagações acerca da memória e da historicidade de nossas existências.
Annie Ernaux nasceu em 1940, em Lillebonne, na França. Estudou na Universidade de Rouen e foi professora do Centre National d’Enseignement par Correspondance por mais de 30 anos. Seus livros são considerados clássicos modernos na França. Em 2017, Ernaux recebeu o prêmio Marguerite Yourcenar pelo conjunto de sua obra.