O preço de um livro fĂsico pode ser bem dimensionado, definido de acordo com o tamanho, o papel empregado, o nĂvel de acabamento, etc. Já o valor do conteĂşdo – em muitos casos, se considerarmos a perenidade, a contribuição na formação do intelecto de gerações por centenas ou milhares de anos – Ă© imensurável, uma fortuna realmente inestimável.
Nos dias de hoje, com as facilidades tecnolĂłgicas, grande parte desses tesouros literários pode ser acessada e “consumida” virtualmente quase sem custo ou a um custo muito baixo. Trata-se de mais um daqueles paradoxos que nos fazem pensar, afinal, quanto realmente vale um diamante cuja serventia, quando nĂŁo está a serviço da indĂşstria, Ă© o ornamento e a ostentação de quem o possui. Aliás, “possuir” Ă© uma condição igualmente paradoxal quando um idiota pode possuir uma quantidade considerável de livros sem que os valorize minimamente com a leitura, com o conhecimento. “Valorizar”, Ă© isso! Reconhecer o valor, ampliar o valor de algo agregando elementos transformadores: o princĂpio básico da geração de riqueza. Como disse Tales de Mileto: “O homem rico nem sempre Ă© sábio, mas o homem sábio Ă© sempre rico”.
Esse raciocĂnio econĂ´mico e a sua relação com o livro surgiu a partir de um acontecimento curioso. A função do Raphael era entregar os pedidos feitos Ă editora para as livrarias. As caixas eram identificadas e numeradas para facilitar o manuseio.
“Parei o carro a poucos metros da livraria, apanhei os dois volumes, fechei o furgĂŁo com as chaves como sempre fazia e me dirigi ao endereço de entrega. Ao retornar, poucos minutos depois, percebi de longe, com estranheza, que a porta traseira do carro estava aberta e cheguei a pensar que talvez a tivesse deixado assim por distração. Ao me aproximar, percebi que as caixas no interior do veĂculo nĂŁo estavam dispostas como as deixara, algumas estavam abertas. A maçaneta da porta estava torcida, forçada provavelmente por uma barra de metal ou madeira. Conferi as caixas e, de acordo com as notas fiscais, percebi que os livros estavam todos ali. Selei novamente cada uma delas e prossegui com as entregas. Já na maçaneta da porta, o estrago foi grande, vamos precisar trocá-la.”
Um assalto sem roubo! Fiquei num misto de alĂvio e desapontamento. Um desejo, ao fundo, de que toda a carga tivesse sido roubada e chegado, de alguma maneira, Ă s mĂŁos de improváveis leitores. O diabo Ă© que certas preciosidades precisam ser reconhecidas como tal. Soube de um caso intrigante: o cara pintava barras de ouro com tinta preta e as usava como peso de papel e suporte para segurar portas. Os livros nĂŁo precisam ser camuflados. Se vocĂŞ esquecer um livro no transporte pĂşblico, num banco de praça ou em qualquer outro espaço pĂşblico, relaxe e volte para buscá-lo sem pressa. Já fiz o teste: Crime e castigo demorou seis horas e quarenta minutos para ser apanhado – nĂŁo vamos classificar isso como furto porque sabemos que abandonar livros em praças Ă© uma prática relativamente comum, reconhecida tanto por quem deixa os livros, como por quem os aproveita. Vidas secas foi um pouco mais rápido: trĂŞs horas e quinze minutos. Madame Bovary demorou cinco horas e meia. Se nĂŁo tivesse mudado de apartamento e perdido a vista do banco da praça, ao longe, teria composto uma lista mais ampla, com tipos variados de obras e autores – que nĂŁo interessaria de nada alĂ©m de saciar uma simples curiosidade.