Uns dizem que o trocadilho é a mais elevada expressão literária. Outros falam que se trata da forma mais baixa de humor.
Se você pensar na piada do pavê, dará razão aos segundos. Mas, se concordar com o afiado Machado de Assis, que adorava trocadilhos, talvez fique com os primeiros. O certo é que ninguém fica indiferente à paronomásia (esse é seu nome oficial, trocadilho é só um apelido).
Isso de usar palavras de sons parecidos, mas com sentidos diferentes, é um jogo muito divertido. Até as crianças gostam. Meu filho, por exemplo, com cinco anos, vendo um jogo ao meu lado, disse: “O Botafogo vai incendiar o Juventus”. Fiquei tão orgulhoso que até anotei no seu diário.
Há que ter um cérebro lúdico, brincalhão, para gostar de trocadilhos. Ou infantil, como talvez digam os amargos. Eu gostaria de ter descoberto o trocadilho ainda na infância. Mas fui um sujeito sério boa parte da minha juventude, e só fui descobrir o trocadilho já na faculdade, onde havia um amigo, o José Paulo, que não parava de fazê-los. Depois fui encontrando outros cultuadores da paronomásia, sujeitos que ficam atentos a toda palavra dita numa conversa, como um tigre prestes a dar o bote. Os trocadilhistas prestam muita atenção no que você fala. Mas com segundas intenções.
Se você acha que o trocadilho é algo sem importância, fique sabendo que Freud gastou um bocado de tinta com ele. O livro O chiste e suas relações com o inconsciente investiga esse gênero (ou recurso, ou truque verbal) com seriedade (mas citando exemplos muito divertidos). Aliás, lembro que me deparar com esse texto nos tempos da faculdade foi um alívio. Os engraçadinhos não têm muita bibliografia para entender melhor sua musa. E O chiste e suas… é uma ótima tentativa de compreender o motivo de ficarmos felizes ao escutar algo como “A imprensa publica o que ouve e não o que houve”. Essa é do Oswald de Andrade, que tinha tanto humor que hoje é visto por alguns como um reles bufão, o que é uma grande injustiça.
De Oswald também saiu um dos melhores trocadilhos da língua portuguesa (mesmo não sendo em língua portuguesa), o clássico “Tupy or not tupy, that’s the question”, frase que vale por todo um tratado estético. Mas o meu trocadilho da literatura nacional talvez seja um de Manuel Bandeira, o adorável “teadoro, Teodora”. Sempre quis conhecer uma Teodora para usar esse verso, mas acabei me casando com uma Rita (que jamais me irrita!).
Os trocadilhistas se conhecem, se admiram e duelam entre si. A graça é pegar um tema e entabular um diálogo longo, explorando todas as suas possibilidades. Por exemplo, esses dias, o escritor André Ricardo Aguiar propôs, em sua página no Facebook, a criação do FILTRO, Festival Internacional Literário do Trocadilho.
Segundos depois, seus amigos escreviam comentários do tipo:
— A inscrição não pode custar mais que uns trocadinhos.
— Vou entrar infiltrado!
— É um evento para quem vai com muita sede ao pot.
— Os convites serão liberados a conta-gotas.
— Então precisaremos de uma versão online, um e-vento.
— O nome do festival é um paradoxo, porque trocadilhista é um cara sem filtro.
— Não, o trocadilhista é o acrobata da palavra.
E por aí seguiram felizes por mais umas tantas frases, misturando sons e sentidos, o que talvez seja uma definição básica de literatura.
Aliás, fazer um trocadilho causa mesmo uma alegria, como se você tivesse encontrado um novo significado para uma palavra, ou ligado duas coisas que estavam distantes, descobrindo uma relação inédita entre elas. Recentemente, por exemplo, falando sobre a obstrução pós-férias do intestino de Bolsonaro, escrevi que os camarões são “frutos do Marx”. Confesso que foram cinco segundos de felicidade. Às vezes é o que basta para suportar mais um dia.