🔓 Semana de preparação peruística

As angústias e (poucas) delícias de quem decide encarar os rituais de um salão de beleza
Ilustração: FP Rodrigues
11/08/2022

Além da semana de preparação pedagógica do começo dos semestres, decidi que esse teria também a semana de preparação peruística. Fui a cabeleireiro, manicure, pedicure, depilação, comprei creminhos, pintei o cabelo.

Pinto meu cabelo de vermelho em mais uma das minhas desesperadas tentativas de não ficar tão parecida com a minha mãe. Não está funcionando, mas sigo. Na primeira vez que decidi adotar esse tom mais sanguíneo, consegui tingir a pia do banheiro, a testa, a orelha e metade da cachorra. Procurei ajuda profissional daquele momento em diante.

No salão é puxa, estica, molha, enrola, penteia, corta, seca, bagunça e eu lá tentando escrever no celular. A manicure pede que eu pare quieta. Não sei pra que, já que eu vou estragar o esmalte no segundo em que ela virar as costas, mas obedeço.

E joga cera quente na perna, na cara, na bunda, na… digamos que em tudo que é lugar. A depilação certamente é um dos motivos pelos quais os extraterrestres mais avançados não fazem contato. Estou certa disso. Eu, se fosse eles (extraterrestre ou mais avançada), não faria.

Só uns minutinhos, me diz o cabeleireiro em uma voz falsamente doce e calma, como quem fala com um animal perigoso. Não que ele esteja errado, veja bem. Pergunto quantos. Ele se surpreende com a pergunta. Quantos o quê? Quantos minutinhos. Quarenta, o cara-de-pau responde. Isso não são minutinhos. Penso que quase uma hora olhando para o nada é parte da terapia peruística e, como não há absolutamente nada que eu possa fazer para acelerar o processo, volto para o celular.

As conversas audíveis me estimulam a colocar o fone de ouvido. Sim, vai manchar tudo de vermelho. Eles são pretos. Dane-se. Para ocasiões como essa, deus inventou o Spotify. Sugestões para você. Clico sem nem ler do que se trata. A julgar pela taxa de sucesso do algoritmo, o aplicativo de músicas me conhece melhor que meu terapeuta.

Estica o pé. Cutícula, coisa horrorosa. Dói. Reclamo. Me sinto ridícula por reclamar. Mas dói. Reclamo de novo. Lixa. Base, esmalte, acetona, óleo. Fico lá com o pé por cima dos tênis, esperando o esmalte que eu sei que vou estragar. Frio danado no pé, vontade de colocar a meia, mas força guerreiro e eu espero.

Vamos para o lavatório, com a aquela voz de quem quer, na verdade, que eu exploda mas precisa pagar boletos. Te entendo, amiga. Juro que entendo. Penso que lavatório mais parece outra coisa, mas levanto. Acho mesmo que a gente finge que faz outra coisa no salão e paga fortunas só por esse momento. A moça lava o cabelo com uma mangueirinha e massageia. Moça, quanto você cobra para fazer isso todo dia, penso mas não pergunto.

De volta à cadeira. Novamente estica, enrola, penteia, puxa, esquenta, esfrega, spray de sei lá o que, estica mais um pouco, enrola mais um pouco, penteia mais um pouco. Minha paciência acabou uns bons cinco ou seis parágrafos atrás. Vem o espelhinho para ver a parte de trás do cabelo. Está ótimo, digo em parte por ter gostado e em parte para acabar o sofrimento.

Chego em casa. Experimento o creminho que comprei para o rosto.

Olho no espelho.

A cara é dolorosamente a mesma.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho