Um dos contos mais doĂdos do SĂ©rgio Faraco Ă© para mim Um dia de glĂłria. Uma famĂlia passa um ano de sacrifĂcios para juntar dinheiro para um roupeiro. O dia de glĂłria do tĂtulo Ă© o dia da chegada do mĂłvel. “Dá atĂ© vontade de rezar”, diz a esposa. Mas Faraco nĂŁo se esquiva de dizer que agora o marido estranha o resto da mobĂlia, pois “sua cama parecia agora a cama de um albergue, as cortinas, farrapos sujos, e a prĂłpria parede, com manchas conhecidas de umidade, mostrava outras que ele nunca tinha visto”.
Lembro desse conto toda vez que vejo algum “guru do minimalismo” dar dicas para uma vida com menos. Eu detesto o minimalismo da moda.
O minimalismo de tendência é sempre uma escolha, nunca uma imposição pela falta de recursos. Ele vem sempre acompanhado de móveis de design clean, poucas peças de roupas de tecidos nobres e muita, muita terceirização. Nas entrelinhas, o influencer do minimalismo diz: você não precisa de uma batedeira, você encomenda um bolo pelo aplicativo; você não precisa de uma caixa de ferramentas, você chama alguém pra consertar as suas coisas; você não precisa guardar os enfeites da festa de aniversário do ano passado, ano que vem você compra novos e depois ainda doa pra uma creche, fazendo o bem. O minimalismo de tendência é só um consumismo para quem tem pouco espaço em casa.
O minimalismo de tendĂŞncia nunca vai entender o conto do Faraco. SĂł quem nunca precisou economizar durante meses pra comprar um mĂłvel acha bonito nĂŁo ter coisas. Há quem diga — alguns budistas e outros filĂłsofos do desapego — que as coisas que nĂłs possuĂmos tambĂ©m nos possuem. Tudo bem, eu concordo. As coisas nos prendem Ă responsabilidade de nĂŁo perdĂŞ-las, ao medo de que nos sejam roubadas, Ă preocupação de mantĂŞ-las em boas condições.
As posses materiais trazem armadilhas, é certo, mas a escassez também é uma prisão: a preocupação constante com as contas, a angústia de não saber como se vai pagar a luz, a vida em condições precárias com as quais a gente vai se acostumando porque é o que tem.
NĂŁo quero dizer alguma obviedade sobre encontrar o equilĂbrio blá blá blá. Mas onde a maioria das pessoas vive com menos do que o mĂnimo, o minimalismo vira uma piada de mau gosto. Quando tanta gente nĂŁo tem nem teto e, entre quem tem teto, tanta gente nĂŁo tem nem roupeiro, e entre quem tem roupeiro, tanta gente nĂŁo tem roupa, Ă© ridĂculo propor que as pessoas vivam com menos. De minha parte, desejo Ă© menos minimalistas de butique e mais gurus de distribuição de renda.