🔓 Queridxs leitorxs

A impressĂŁo que tenho Ă© que muitas vezes a adoção dessa grafia impronunciĂĄvel acontece apenas por questĂ”es de marketing ou por incompetĂȘncia na escrita
Ilustração: Denise Gonçalves
29/07/2021

O LinkedIn Ă© uma rede social muito estranha, onde pessoas sĂŁo sempre gratas a seus empregadores, mesmo no momento em que sĂŁo demitidas.

Publicar print de evento pelo Zoom com “gratidĂŁo pelo aprendizado”, entĂŁo, me parece algo saĂ­do de um filme do David Lynch. Aprendemos no ambiente de trabalho? Claro. Aprendemos via Zoom? Claro. 99% das reuniĂ”es sĂŁo inĂșteis? Claro.

Completarei, ano que vem, 40 anos de carreira. Conto a partir da primeira vez em que me pagaram por um trabalho. AtĂ© o presente momento, ainda nĂŁo participei de uma Ășnica reuniĂŁo — presencial ou remota — que nĂŁo pudesse ter sido um documento compartilhado no Google Docs. Sim, estou ciente que comecei a trabalhar em 1982 e o app foi lançado em 2005.

NĂŁo que eu ache impossĂ­vel gostar do lugar onde se trabalha, muito pelo contrĂĄrio. O que me parece improvĂĄvel Ă© que todo mundo goste do lugar onde trabalha.

De toda forma, volta e meia aparece alguĂ©m feliz por conta de alguma ação com neutralidade de linguagem. Recentemente vi uma foto de um kit de boas-vindas onde lia-se: “Bem-vindx Ă  (Empresa)!”.

Aquilo causou em mim uma fĂșria conservadora da qual nĂŁo me orgulho. Veja bem, eu tambĂ©m acho que somos seres de linguagem, que o idioma Ă© vivo e que a neutralidade Ă© inclusiva e necessĂĄria. O que me irrita nĂŁo Ă© o quĂȘ, o onde, o quando e muito menos o porquĂȘ. O que me tira do sĂ©rio Ă© o como.

A impressĂŁo que tenho Ă© que muitas vezes a adoção dessa grafia impronunciĂĄvel acontece apenas por questĂ”es de marketing ou por incompetĂȘncia na escrita.

O humorista Kaya Yanar, no show Made in Germany, avant la lettre, reclamava dos gĂȘneros dos artigos. A birra dele era com o idioma alemĂŁo e ele sugere que todos adotem o “the” do inglĂȘs. Se vocĂȘ compreender o idioma, procura no YouTube por “Kaya Yanar der die das”.

Sim, seres humanos sĂŁo complexos e heterogĂȘneos e Ă© Ăłbvio que todos devem se sentir representados e incluĂ­dos.

Eu posso escrever exatamente a mesma coisa no feminino: Sim, pessoas sĂŁo complexas e heterogĂȘneas e Ă© Ăłbvio que todas devem se sentir representadas e incluĂ­das.

Ou, ainda: Sim, possuímos complexidade e heterogeneidade e é óbvio que devemos ter representação e inclusão.

As 3 opçÔes sĂŁo inclusivas e neutras por nĂŁo assumirem o gĂȘnero do indivĂ­duo.

Mas e quando a construção da frase exige um substantivo que impĂ”e seu gĂȘnero ao sujeito? Quero crer que, na maioria das vezes, existem soluçÔes mais elegantes.

Ao invĂ©s de “Bem-vindx Ă  (Empresa)!”, podemos escrever “A (Empresa) lhe dĂĄ as boas-vindas!”. Pronto, neutro.

Mais alguns exemplos.

(Pessoa) Ă© jogadorx do (Time) — (Pessoa) joga pelo (Time).

Xs colegas de trabalho dx (Pessoa) – Colegas de trabalho de (Pessoa).

Xs professorxs entraram em greve — Docentes entraram em greve.

(Pessoa) Ă© minhx amigux — Sou amiga de (Pessoa).

(Pessoa) Ă© muito disciplinadx — (Pessoa) tem muita disciplina.

Existem, naturalmente, casos onde essa construção Ă© um pouco mais difĂ­cil. Queridos leitores, por exemplo. A opção “queridas pessoas que leem” Ă© vĂĄlida mas pelamor, nĂ©?

Em alguns casos, entre acabar com o idioma ou com a inclusĂŁo, que se dane a Ășltima flor do lĂĄcio. Pessoas sĂŁo sempre mais importantes.

Entretanto, deixo aqui meu pedido para que vocĂȘ raciocine um pouco mais antes de adotar x, @, e, u ou seja lĂĄ qual for a substituição da sua preferĂȘncia. Muitas vezes existem soluçÔes melhores.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho