Meu melhor e mais antigo amigo me conta que perdeu a habilidade de se comunicar com os “normies”. Para quem não conhece, normie é gíria para pessoas comuns, que tem opiniões populares, gostos ordinários e, frequentemente, hábitos sexuais conhecidos como “baunilha” (google it).
Quando o Felipe me disse isso, imediatamente lembrei do Toulouse-Lautrec, que preferia a companhia das prostitutas, dos bêbados e dos artistas à da aristocracia de onde saiu.
O vivo é o desviante.
O vivo é quem quebra a norma.
Sou um poço de contradições. Falo, acredito em, defendo uma coisa dessas e, ao mesmo tempo, sou a doida da ABNT. Em minha defesa, entendo a Academia como um tipo de hereditariedade, onde é possível recuperar a pesquisa do autor e, consequentemente, formar uma opinião própria. Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes, já dizia Newton.
Eu tenho, paradoxalmente, um gigantesco amor por curadoria e um proporcional horror à museolização. Só quem quebra a norma está vivo. O padrão está dentro de uma caixa de vidro, no museu. Morto, portanto.
Van Gogh está muito mais vivo na tatuagem no meu braço do que no livro de História da Arte. Portinari respira por aparel… digo, por memes. Cervantes persiste porque o mundo, vamos combinar, não faz o menor sentido e é necessário matarmos, a golpes de rapadura, todos os moinhos de vento que encontrarmos no caminho.
A questão da opinião própria é absolutamente vital para mim. Não tolero que decidam algo por mim. Ou seja, compreendo o Felipe e o Henri.
Pedi pro namorado tocar Viramundo no violão para mim. Não falei para ele que considero um ato de amor tocar qualquer coisa no violão para mim. Pensando bem, quase qualquer coisa. Aceito cantigas de roda, parabéns para você e escalas, tudo bem. Michel Teló, entretanto, já configura um relacionamento tóxico.
Vamos combinar que Gilberto Gil não é só declaração de amor, é também um certificado de bom gosto e inteligência.
Sou viramundo virado
Nas rondas da maravilha
Cortando a faca e facão
Os desatinos da vida
Gritando para assustar
A coragem da inimiga
Pulando pra não ser preso
Pelas cadeias da intriga
Prefiro ter toda a vida
A vida como inimiga
A ter na morte da vida
Minha sorte decidida
Minha mãe adorava essa música, pelos mesmos motivos. Ou, talvez o mais correto a falar seja que eu adoro essa canção pelos mesmos motivos que minha mãe, mas a crônica é minha então às favas com a lógica ou a cronologia. Depois do narrador onisciente, temos agora o narrador onipotente, que manipula a linha do tempo à sua conveniência.
Prefiro a vida como inimiga a ter a minha sorte decidida.
Não aceito o padrão. Não aceito a norma.
E como quem faz sentido é soldado, as referências, claro, precisam estar na ABNT: GIL, Gilberto. Viramundo. Disponível em: <https://gilbertogil.com.br/