🔓 Quasar

Algo escrito “Brazilian” chamou minha atenção e minha saudade do Colorama de camomila e de limão para tirar o cloro da piscina me fez levar o vidro
Ilustração: Matheus Vigliar
16/03/2021

A cada olhadela no espelho, vejo meu rosto mais e mais parecido com o da minha mãe. À medida que eu envelheço, vou apanhando ela em idade. A dela ficou congelada aos sessenta e quatro anos. Em menos de vinte eu chego lá. Numa dinâmica reversa, ela vai ficando a cada ano mais a minha cara. Mas dentro da injustiça deste mundo, fui atingida em cheio, já que dela não herdei o nariz, por exemplo, nem a pele mediterrânea. Mas muito mais que um semblante compartilhado, eu concordo, temos pouca vaidade.

Eu costumava sugerir que ela fizesse isso ou aquilo com os cabelos, que colocasse brincos, pulseiras, o diabo. Às vezes ela colocava, mas conforme é comigo, não está em nós essa vaidade diária que, para quem não a tem, dá trabalho. Se estivesse viva, tenho certeza de que, como eu, ela não pensaria duas vezes em substituir o condicionador pela loção hidratante. A gente sabe que é tudo a mesma coisa.

No meio do banho, descubro que acabou o shampoo. Improviso, sem preocupação, com o shower gel e na hora seguinte estou na Boots escolhendo shampoo novo. Algo escrito Brazilian chamou minha atenção e minha saudade do Colorama de camomila e de limão para tirar o cloro da piscina do fim de semana me fez levar o vidro compatriota.

Dois dias depois chega a hora de testar o produto inglês com jeito brasileiro. Um banho de olhos fechados por conta de tantos aromas. Um sabonete de amêndoas que tem cheiro de coco e nos cabelos, o Brazilian Shampoo com notas impressionantes do Quasar (ou seria Styletto?) usado por todos os meninos de Guarani quando eu tinha meus quinze anos e pregados lá atrás numa memória tão doce quanto porosa. Os rapazinhos da roça de onde venho iam passear em Juiz de Fora, onde tinha uma loja o Boticário, e lá investiam em cheiros que pudessem competir com as novidades vindas de longe como um vidro de Azzaro portado pelos moderníssimos moços do Rio e de São Paulo que raramente surgiam no nosso território que tinha cheiro de manga, Leite de Rosas e sabonete Phebo.

Ali dentro daquele pedaço de banheiro, um sorriso fraco, sobrancelhas levantadas, cara de boba. Era o tempo preso lá longe, mineiro, que invadiu por alguns segundos o hoje tão impenetrável. Terminei o banho, subi, me vesti e estraguei tudo com um spray ou dois de perfume francês.

Ivan Lessa estava certo: “perfume de mulher bonita é sabonete”.

Nara Vidal

É mineira, formada em Letras pela UFRJ e Mestre em Artes pela London Met University. É escritora, tradutora e editora. Autora de livros infantis e ficção adulta. Seu romance de estreia, Sorte (Moinhos), traduzido na Holanda, foi um dos vencedores do Prêmio Oceanos em 2019. Seu livro mais recente é a coletânea de contos Mapas para desaparecer (Faria e Silva).

Rascunho