🔓 Pois burra

Esquerdomacho, envelhecimento, emprego com carteira assinada e os quatro anos da morte de Elvira Vigna em uma crônica sobre o passado e o presente
Ilustração: Denise Gonçalves
08/07/2021

Sábado próximo, dia 10 de julho de 2021, serão 4 anos sem a minha mãe.

Completarei, na mesma data, exatos 4 anos de docência no ensino superior. Recebi a notícia da minha contratação 90 minutos antes dela morrer.

Sim, no mesmo dia. No mesmo fucking dia. Com menos de 2 horas de diferença.

Depois de 25 anos trabalhando (muito) sem carteira assinada, matando um leão por dia e com então 46 anos de idade, fui contratada com férias, décimo-terceiro, chefe(s) e sindicato.

Era ela, que logo estaria ali do meu lado sem vida, quem mais valorizava que eu tivesse o famoso emprego. E foi justo com ela que eu não consegui compartilhar o feito hercúleo.

Envelheci nesses 4 anos. Aprendi, mudei, cresci. Mas, principalmente, envelheci.

Olho para a pele das minhas mãos e é uma pele de velha, seca e sem brilho. Tenho rugas, flacidez, olheiras, pelancas de todos os tipos e formas. Os cabelos começam a perder a cor. Meu corpo finalmente alcançou a imagem que sempre tive de mim.

Passei da cerveja no bar para o vinho com a gata. A pandemia contribuiu muito, claro. Entretanto, penso em manter essa seletividade. Salvo alguns poucos amigos próximos, felinos são companhia melhor.

Nessa mesma semana de julho de 2017, escutei de um relacionamento afetivo que eu não sabia lidar bem com grandes emoções. A maior prova de que eu sou pacifista é que eu não virei uma cadeira na cabeça do sujeito.

Vamos lembrar que essa relação do útero com psicopatologias vem de Hipócrates e, portanto, tem mais de 2 mil anos de idade. Sabe, a medicina evoluiu bastante desde então.

Sigmund Freud, mais um em uma longa linhagem de machistas, dedicou boa parte da sua pesquisa à tal da histeria (útero em grego é hysteria).

O sufrágio feminino foi conquistado na Alemanha em 1918. Os estudos sobre a histeria do Freud vão de 1893 a 1895. Estão, portanto, no contexto da resistência masculina em abrir mão do controle político.

Aqui, no Brasil, foi em 1974 que as mulheres conquistaram o direito de portarem um cartão de crédito. Em 1977, foi aprovado o divórcio. Foi apenas na Constituição de 1988 que a lei passou a reconhecer direitos iguais entre homens e mulheres. Em 2002, a falta de virgindade feminina antes do casamento deixou de ser crime. Sim, você leu certo. Dois mil e dois.

Se você, homem, está lendo isso e pensando “nem todo homem”, você é parte do problema.

Então, considerando só dos estudos de Freud pra cá, se você ainda acha que capacidade é vinculada a gênero, deveria assinar um termo abdicando dos avanços da medicina moderna que aconteceram depois disso. Eis uma listinha:

  • Antibióticos
  • Azitromicina
  • Corticoides
  • Dipirona
  • Penicilina
  • Pílula anticoncepcional
  • Quimioterapia
  • Ressonância magnética
  • Transplantes
  • Ultrassonografia
  • Vacinas contra febre amarela, poliomielite, sarampo, caxumba, rubéola, hepatite B

Ou ainda, abdicar de utilizar:

  • Avião
  • Celular
  • Computador
  • Internet
  • Micro-ondas
  • Televisão
  • Xerox

O que há com homem? Qual a grande questão? Sim, sabemos, é uma ação para o descrédito, para desmerecer a mulher. Um artifício para diminuir o argumento. Sabemos de tudo isso. Século 21, camarada, se atualiza.

O agravante é que o comentário misógino veio de um desses homens descontruídos, veja bem. Não veio do macho 3T (top, típico, tóxico), não. Não me relaciono com os 3Ts, me respeita.

Foi depois desse evento que minhas amigas me introduziram ao conceito do esquerdomacho que, até então, eu desconhecia.

Caí nessa armadilha algumas vezes “pois burra”, como manda a sintaxe da internet.

Que cansaço.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho