* Série LeituraBR
NĂŁo, por favor, nĂŁo se cansem de saber sobre a leitura e os leitores e leitoras. A gente nunca termina de se surpreender com os caminhos misteriosos que levam alguns pelas linhas e entrelinhas, mas nĂŁo levam outros; umas pessoas se embrenham pelas sendas das letras, outras tantas sequer sentem curiosidade por um pingo no i. E para os primeiros Ă© incrĂvel como Ă© que alguĂ©m consegue passar por esta vida sem uma farta e intensa experiĂŞncia entre textos, livros e histĂłrias.
TaĂ outro mistĂ©rio para o qual nĂŁo temos respostas difĂceis, quanto mais as fáceis. Quem Ă© que influencia outrem a ler? Retomando lá os resultados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 66% das pessoas dizem nĂŁo terem sido influenciadas por ninguĂ©m para gostar de ler. Será possĂvel? Já imaginou se leitura brotasse? Simplesmente a gente um dia acordasse com ela entre nossos desejos, hábitos, afazeres… simplesmente abrisse os olhos e ela estivesse lá, gigantesca, ocupando nosso dia a dia?
Que maravilha seria. Se a escola nĂŁo passasse anos a fio se digladiando com listas e indicações que sĂł levam bordoada; se professoras e professores nĂŁo precisassem participar de infinitas reuniões para tentar descobrir de quem Ă© a culpa ou de quem Ă© o privilĂ©gio; se nĂŁo fosse uma luta interminável pensar e constituir acervos de bibliotecas escolares (entre outras), que tentam feito sereias seduzir gente que sĂł passa ao largo e de ouvidos tapados (ah, sĂŁo sereias do bem); se meia dĂşzia ou menos de familiares nĂŁo precisassem fazer campanhas de psicologia reversa para convencer adolescentes de que ler Ă© legal. Ah, um sonho se a leitura simplesmente caĂsse do cĂ©u, subisse pelas pernas, se transmitisse pelo ar (vejam aĂ que esse tipo de transmissĂŁo Ă© poderoso, pena que nĂŁo acontece com coisa boa).
Fato Ă© que, segundo os nĂşmeros, 66% dos nossos compatriotas que gostam de ler (vá desbastando aĂ os nĂşmeros) gostaram de ler por si sĂłs. O problema Ă© que 100% de mim nĂŁo acreditam. Será que ninguĂ©m leva esse crĂ©dito? Bom, para compensar um pouco, as pessoas que admitem que passaram a gostar de ler por influĂŞncia de alguĂ©m apontam, em primeirĂssimo e dignĂssimo lugar, quem? quem? a professora ou o professor! NĂŁo me surpreende, mas tambĂ©m nĂŁo me conforta. Pela ordem, segundo a pesquisa, Ă© o seguinte: professores, mĂŁe e amigos. NĂŁo era difĂcil de apostar nessa fila, nĂŁo Ă© mesmo? Dava para me arriscar na Mega-Sena e arrematar o prĂŞmio.
Já sabemos aà por resultados de exames e pesquisas que o momento da vida em que as pessoas mais leem é justo quando estão na escola. Gente, pode espernear à vontade, fazer beicinho pra câmera, incitar a polêmica e desqualificar a escola, mas parece que frequentar aquele espaço tem um efeito positivo sobre pessoas e livros abertos. Por mais que se critique tudo o que a escola faz e que tenhamos aprendido a sentir um imenso desprezo pelos(as) professores(as), é ali naquelas redondezas, principalmente, que a mágica acontece (quando acontece, claro). Pelo que diz uma parcela dos(as) brasileiros(as), foi um(a) professor(a) que deu aquela dica esperta, que mediou um debate bacana, que indicou uma obra para um trabalho, que bateu um papo no corredor e nos fez tomar uma nota mental: ler X. É esse ser chamado professor ou professora que está por conta disso, que geralmente adora quando é match: estudante gostou do livro.
Depois vem a mĂŁe. Com raras e honrosas exceções, Ă© mamĂŁe que põe pra dormir, que se enfia embaixo do cobertor puĂdo, que lĂŞ junto aquela historinha surrada, que conta histĂłria atĂ© a gente fechar os olhos, que repete e repete o mesmo livro, na falta de novos. É a mĂŁe. É ela que enche a paciĂŞncia para a gente estudar, ir para a escola, entregar os exercĂcios. MĂŁe que faz dever junto, que verifica caderno, que encapa livro e põe etiqueta, que revende tudo no outro ano para comprar os prĂłximos. É mĂŁe que pinta na área quando a pesquisa pergunta quem mais influenciou seu gosto pela leitura. Depois da professora (ou do professor), Ă© a mĂŁe que está lá. E os amigos e amigas, claro, que chegam junto naquele boca a boca fatal. Acontece com muita gente, acontece de a amiga ler, comentar, despertar nossa curiosidade. DaĂ a gente pega o livro emprestado ou dá um jeito de arranjar. Bom, tá na pesquisa tambĂ©m que a maioria absoluta das pessoas nĂŁo ganha livros de presente. Esses e essas nĂŁo me tĂŞm como amiga, está claro. Tem gente que adora livro, tem gente para quem eu dou livro por pura insistĂŞncia e teve Natal, Ăł, que sĂł comprei livro para a meninada. Podem xingar, podem falar mal, minha parte eu fiz.
Alguns dias atrás, li um romance recĂ©m-publicado e pirei. Adorei a histĂłria, o jeito de contar, as surpresas da narrativa. Comentei com cerca de umas dez pessoas, das quais pelo menos a metade me pareceu ficar curiosa e disse que leria tambĂ©m. TrĂŞs amigas estĂŁo lendo para a gente comentar. Meu namorado está sĂł esperando vir Ă minha casa para ler tambĂ©m. E sabe lá quem mais leu e vai entrar nessa corrente boa de conversa. NĂŁo Ă© qualquer coisa. É lindo, Ă© muito, Ă© esse tipo de força que fez, por exemplo, que certo livro de um escritor baiano meio iniciante se transformasse numa espĂ©cie de fenĂ´meno literário e editorial notável, em coisa de um ano e meio de lançamento. NĂŁo basta ganhar prĂŞmio, nĂŁo basta ter contrato com editora poderosa, nĂŁo adianta reza braba. Se as pessoas nĂŁo contam umas para as outras, se elas nĂŁo ativam essa correnteza linda que faz a leitura chegar a uma espĂ©cie de “transmissĂŁo comunitária”, o prĂŞmio fica em cima do armário, a editora trabalha no vácuo e a reza… a reza nĂŁo alcança a graça.
Se a gente juntasse a professora, a mãe e os amigos, será que daria um samba legal? Bem, mas não é para a maioria das pessoas que as influências adiantam. Diz que tem gente que se torna leitor/leitora por obra e graça de Ninguém. Bom, ando mais preocupada com o milagre do que com o santo. Viva São Ninguém, padroeiro dos leitores autofecundantes. Enquanto faço promessa para esse santo, continuo torcendo para muita gente leitora ir ficando bem influenciável.