🔓 Onze mil anos de dick pics

LĂĄ se vĂŁo milĂȘnios e o homem continua segurando o pinto, fĂ­sica ou metaforicamente, nĂŁo importa
Ilustração: Bruno Schier
29/12/2022

Última do ano. Daqui umas duas semanas mais ou menos, no dia 10 de janeiro, completo dois anos de crĂŽnicas semanais ininterruptas aqui no Rascunho. Tenho mĂł orgulho de estar aqui. Nesse ano ainda, consegui terminar o pĂłs-doc, publicar um livro, ter outro para sair, um monte de ilustraçÔes, alguns poemas, artigos, projetos novos, um monte de coisas. Nem todas, claro, deram certo.

Eu na verdade nem gosto de cachaça, mas a anedota “o povo sĂł vĂȘ as pingas que eu tomo, mas ninguĂ©m vĂȘ os tombos que eu levo” cabe feito uma luva na minha vida. Sigo tentando, criando, sonhando, quebrando a cara, tropeçando, levantando, continuando. Eu e o Rascunho. Espero que ambos sobrevivam.

Leciono em uma faculdade de publicidade. Por esse motivo, volta e meia entro em contato com campanhas. Digo, com as entranhas das campanhas, não apenas com seu resultado final. Material de construção? Campanha de homens, para homens, sobre homens. Daí eu comento que 62,6% de todos os arquitetos e urbanistas em atuação no Brasil são mulheres e a chata sou eu. Ando com um fastio de homem hétero que nem te conto.

Por esses dias vi que descobriram um relevo de parede com 11 mil anos de idade, no sudeste da Turquia. É um homem segurando seu pĂȘnis. É do neolĂ­tico e estĂĄ sendo considerado como um dos primeiros exemplos de arte narrativa. Onze mil anos se passaram e homem continua segurando o pinto, fĂ­sica ou metaforicamente, nĂŁo importa.

Copa do Mundo só piora. Futebol é homoerótico e não tem ninguém que me convença do contrårio.

Ah mas nem todo homem. Suspiro.

E olha, digo mais: os Ășnicos que se importam com o pinto sĂŁo os homens, em um movimento que sĂł tem duas alternativas. Ou Ă© masturbatĂłrio, ou Ă© homoerĂłtico.

A Casa dos Vettii, em Pompeia, não me deixa mentir. Da mesmíssima maneira que os terreiros de Umbanda são protegidos por determinadas entidades, a Casa dos Vettii era protegida de Príapo, deus grego da fertilidade, facilmente identificado por seu pinto gigante. Aquela doença priapismo vem daí.

O Masp recentemente restaurou Himeneus travestido assistindo a uma dança em honra a PrĂ­apo (1634-38), do Nicolas Poussin. O restauro? Devolver o pinto Ă  obra. A pintura sofreu o que a gente chama de “repinte de pudor”. Provavelmente a censura aconteceu no sĂ©culo 18, quando estava em posse da famĂ­lia real espanhola. AlguĂ©m foi lĂĄ e cobriu o pinto do PrĂ­apo por motivos moralistas/religiosos.

Ou seja, o pinto sendo segurado pelo prĂłprio homem, beleza. O pinto sendo motivo de festa entre moças, censura. A questĂŁo nĂŁo Ă© – nunca foi e nunca serĂĄ – o falo. A questĂŁo Ă© a mulher se divertir.

Ai, que preguiça.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

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