É agradável observar o movimento. Pessoas apressadas que cruzam a rua, outras relaxadas passeando com o cachorro; um cara de bigode amarelado puxa um trago e solta uma baforada de fumaça que incomoda a senhorinha bem-vestidinha com sotaque português que caminha logo atrás. Raios, onde foi parar o respeito?
O prazer desses momentos por vezes supera o sabor do prato servido, sem nenhum custo adicional à conta. Pode acontecer de chover e respingar forte na mesa. Uma tempestade repentina é ainda pior, especialmente quando o interior do restaurante está lotado… Era nisso que pensava o cronista quando um sujeito gordinho — no bom sentido, porque atualmente o cronista tem que tomar cuidado com as palavras, sobretudo quando forem adjetivos — de seus 40 anos, voz dengosa, se colocou ao centro do recinto e pediu um minuto de atenção a todos os fregueses:
— Geeente, eu queria pedir pra vocês uma ajudinha pra eu comprar o meu almoço, vocês me ajudam?
Silêncio no salão.
— Geeente, eu não quero atrapalhar o almoço de ninguém, só queria uma ajudinha pra comprar a minha comida, vocês podem me ajudar?
Silêncio.
— Gente, eu não sou bandido! Eu tô pedindo, não tô roubando, não, tá!? Alguém pode me ajudar?
Silêncio… e um resmungado baixo do garçom que veio para contornar o potencial constrangimento.
— Gente, eu só quero comer! Vocês acham que eu não tenho direito!? Ei, você aí, que está comendo gostoso — disse se dirigindo a um rapaz que dividia a mesa com outros dois prováveis colegas de trabalho. — Você pode me ajudar? — continuou ele, dessa vez com a voz modulada e dengosa como no início. — Geeente, eu não tô roubando, só tô pedindo uma ajudinha. E você, com esse cabelo lindo, não pode me dar uma ajudinha?
O garçom, num resmungado agora um pouco mais definido:
— Aqui não é lugar pra isso. Você deixa a gente trabalhar?
— Eu só tô pedindo uma ajudinha, dá licença? Tira a mão de mim. Eu venho aqui quando eu quiser — protestou o sujeito enquanto se dirigia à porta de vidro que dava acesso ao interior da casa.
— Aqui não vai poder entrar, não! — contestou o garçom já contando com a ajuda de um segundo funcionário.
— Eu venho aqui na hora que eu quero! “Não vai poder” é o meu cu!! — disse o sujeito andando para a calçada e se dirigindo, já do lado de fora, a uma das mesas protegidas apenas por um balaústre baixo.
— E a senhora, pode me ajudar? — A senhora sentada com a filha, uma jovem de uniforme escolar, entre o embaraço e a dúvida, abre uma pequena bolsa e tira um molho de chaves, batom, caneta e, finalmente, uma moeda de um real.
— Só isso!? Um real? O que eu compro com um real? A senhora não tem mais um pouco? Aposto que gastou uma nota no cabeleireiro! — A mulher se levanta coagida, segura na mão da filha e as duas entram na área interna do local.
— Ei, desculpe, mas você está atrapalhando o nosso trabalho!
— “Trabalho” é o meu cu! Eu venho aqui na hora que eu quiser! Não sou bandido, não! Estou pedindo, não estou roubando, não!… “Respeito” é o meu cu!!
Os gritos chamavam a atenção de gente que parava para entender a situação, e o sujeito, muito bravo, não dava sinal de ceder aos apelos fracassados dos garçons e do gerente na tentativa de contornar o inconveniente.
— “Passando dos limites” é o meu cu!! — disse avançando para uma outra mesa rente à calçada onde dois rapazes comiam a sobremesa. — Ei, vocês vão me ajudar!? Eu não tô roubando, eu só tô pedindo, vocês não querem me ajudar?
Silêncio. Assim como todos os presentes, os rapazes se limitavam a respirar.
— Vocês não vão me ajudar!? — repetiu o sujeito enquanto pegava o copo com refrigerante de um dos rapazes e o atirava com força na calçada do outro lado da rua, produzindo uma centena de cacos com o impacto. — “Chamar polícia” é o meu cu!! Eu não tô roubando, só tô pedindo! Eu tenho direito!! E o senhor, vai poder me ajudar!?
O cronista pousou a caneta, olhou firme nos olhos do sujeito e lhe disse:
— Dar dinheiro eu não vou, não, mas se você me ajudar a esclarecer uma dúvida, eu posso lhe pagar por isso — completou, colocando uma nota de dez reais na mesa.
— E o que é que eu tenho que fazer, moço?
— É só me dizer se sabe onde morrem os beija-flores.
— Ah, isso eu não sei, não, moço. É muito difícil, pergunta outra.
— Mas é isso que eu preciso saber para continuar o meu conto!
— Beija-flor não sei, não. Acho que nem morrem. Gente, alguém pode me ajudar? Alguém sabe onde morrem os beija-flores?