Já escutei algumas pessoas dizendo que sofrem de bloqueio criativo ou que são assombradas pelo fantasma da página em branco. Confesso que nunca tive esse problema. Pelo menos, não em sua versão mais aguda.
Talvez por ter vindo do jornalismo, jamais tive a opção de falar “hoje não estou inspirado, vou deixar para a semana que vem”. Numa publicação regular, se existe o prazo, você tem que entregar o texto e pronto.
Mas, se não existe a “hora da morte”, reconheço que a tentação de não escrever pode ser muito grande.
Porém, há uns dribles possíveis.
O primeiro é a leitura. Se você não sabe o que escrever, ler ou reler algo pode lhe trazer uma ideia de forma ou um tema. Por exemplo, agora estou escrevendo um livro sobre a independência do Brasil. Antes de começar a escrever o trecho de hoje, vou ler a biografia do padre Belchior, que estava na comitiva de D. Pedro no dia do grito. Isso vai me dar muita informação nova, um ponto de vista diferente e talvez até uma sugestão de estilo.
Uma segunda saída, talvez a mais comum, é escrever mesmo desinspirado. Quando eu tinha uma coluna sobre futebol na Folha de S. Paulo, várias vezes me vi sem um tema interessante. Então pegava um rabicho de ideia e começava a escrever sobre ele, fazendo parágrafos independentes. Aos poucos eles iam se ligando, trocando de lugar, se desdobrando e se aprofundando. Geralmente o texto ia parar bem longe do ponto inicial. Mas eu cumpria o prazo.
Uma terceira sugestão é “dar um tempinho”. Mas é só um tempinho mesmo. Não um ano sabático. Lavar louça, tomar banho ou beber um café na esquina (de preferência acompanhado de um pão com manteiga feito na chapa logo depois de um bife, porque aí ele ganha uma gordurinha extra) muitas vezes funciona. Depois daquela meia hora, misteriosamente a ideia vem. Antes, você não sabia o que a personagem diria, mas na volta ao teclado a resposta vem rápida. É como se o subconsciente continuasse a trabalhar enquanto você lavava louça, tomava banho ou café (um aviso: fazer as três coisas ao mesmo tempo não melhora a eficiência deste recurso).
Conversar com alguém sobre o tema empacado também pode ser ótimo. Maria Rita, minha mulher, várias vezes já me acendeu a luz no fim do túnel. Um especialista no assunto em questão ou outros escritores também podem ser úteis. Mas ainda prefiro Maria Rita.
Enfim, a falta de inspiração existe. Mas acho que não pode servir como desculpa. Ainda mais para um escritor profissional. Se a inspiração não vem, há que ir atrás dela.
PS: Há ainda um último (e baixíssimo) recurso: escrever sobre a própria falta de inspiração. Foi o que eu fiz hoje, mas tentei disfarçar apontando umas soluções.