Trata-se de mistério comparável à localização do Eldorado ou à leitura do Manuscrito Voynich: por que diabos aquele salgado feito com massa de pão recheada de queijo e presunto é chamado pelos cariocas de “joelho”? Sim, chamado desse jeito por quem nasceu ou mora no Rio, pois a iguaria recebe o nome de “italiano” em Niterói, que fica uma ponte adiante. Para os paulistas, é “bauru” ou “bauruzinho”. Mas também há quem denomine “pão-pizza”, “americano”, “enroladinho”, ou simplesmente aponte para a vitrine-estufa e peça “esse negócio aà de queijo com presunto”.
O joelho Ă© um clássico suburbano. Talvez a presença mais certa, quando observamos o rol de salgados, nas lanchonetes dos bairros de classe mĂ©dia baixa ao longo do paĂs. Atrai pela pujança de suas formas, que prometem um empanturramento imediato, e tambĂ©m pelo ecletismo: serve tanto para matar a fome que pinta no meio do dia quanto como substituto do almoço. Diria que, se o Brasil tivesse a influĂŞncia global dos Estados Unidos, as lojas de fast-food ao redor do mundo venderiam joelho com caldo de cana, em vez de hambĂşrguer com refrigerante.
Quando moleque, circulava bastante entre Madureira, Cascadura, Piedade, Encantado, MĂ©ier, e fiz um mapeamento dos melhores joelhos da regiĂŁo. Em geral eram aqueles mais generosos no recheio. As lanchonetes costumavam servi-los em pares, ainda que o freguĂŞs pedisse apenas um. EstratĂ©gia de comĂ©rcio. O outro ficava no prato, Ă espreita, como que suplicando por uma chance. DifĂcil recusar, sobretudo se a fornada terminara de sair e o queijo derretido se espraiava para fora do salgado, lânguido, quase pornográfico.
Mas voltemos Ă origem do termo. Conta-se que o lanche surgiu na extinta Casa Chantal, localizada na Praça Tiradentes, no Centro carioca. A loja em seus áureos tempos teria sido frequentada por personalidades como o jurista Ruy Barbosa e o escritor JoĂŁo do Rio. Segundo esse relato, o quitute recebia o nome de “chantalet de queijo e presunto” – uma referĂŞncia direta ao tĂtulo do estabelecimento comercial. E, na arrumação da vitrine, era colocado sempre na prateleira inferior Ă das coxinhas de galinha. O que teria inspirado o poeta EmĂlio de Menezes, conhecido pelos sonetos satĂricos, a rebatizá-lo. Logo abaixo da coxa, afinal, fica o joelho.
Se a narrativa Ă© verĂdica, nĂŁo posso garantir. A referida Casa Chantal, por exemplo, desconfio que nunca existiu. Tampouco conheço a raiz das tantas e tĂŁo diferentes alcunhas do salgado. É bem provável que compreendam relatos inusitados como esse, da Chantal. AtĂ© porque o joelho nĂŁo se encontra sozinho na prateleira dos alimentos com nomes sortidos e biografia insĂłlita. O sacolĂ© está aĂ que nĂŁo me deixa mentir.
Chamado tambĂ©m de “chupe-chupe”, “flautinha”, “lili”, “legalzinho”, “brasinha”, “dim-dim”, “big-bem”, “dudu” e atĂ© de “chopp”, esse tipo peculiar de sorvete remonta Ă Segunda Guerra Mundial. Os marinheiros norte-americanos recebiam sua comida – congelada, processada e carregada de proteĂna – envolta em sacos plásticos para o consumo entre as batalhas. A ideia foi trazida para cá, onde o clima tropical e a criatividade acabaram favorecendo a conversĂŁo do que era salgado em doce. A refeição principal virou sobremesa e o sacolĂ©, uma invenção tĂŁo brasileira quanto o aviĂŁo, o relĂłgio de pulso, o escorredor de arroz ou aquele acepipe de queijo e presunto com apelido de articulação Ăłssea.
Um joelho para começar e, depois, o sacolĂ©. Que os nutricionistas nĂŁo me ouçam, mas o combo parece irresistĂvel.