Sim, morreu. Ou, no mĂnimo, está em coma.
Não, não é exagero. Dê lá uma olhada na lista dos livros brasileiros mais vendidos deste mês. Entre os cinco primeiros há um juvenil e quatro adultos, que são: Torto arado, Tudo é rio, Quarto de despejo e O avesso da pele. Todos ótimos, sem dúvida. Mas a questão é outra. É que um modo de escrever está dando seus últimos suspiros.
Culpa dos leitores, dos escritores, dos editores ou de todos? Nem imagine que eu tenha a resposta.
Pensei que essa minha impressĂŁo pudesse ser causada por um instantâneo desfocado, entĂŁo resolvi fazer uma pesquisa errática pela lista dos mais vendidos do Publishnews (sempre na categoria ficção). E nos Ăşltimos sete anos sĂł achei um livro de humor, o da KĂ©fera Buchman, uma das principais youtubers do Brasil. Seu nome Ă© Querido dane-se. Aliás, nĂŁo deveria haver uma vĂrgula depois de “querido”? Ah, pobre vocativo, foste enterrado junto com o chiste…
Curiosamente, vi vários clássicos na lista dos mais vendidos, como AngĂşstia, Vidas secas e A hora da estrela. Um trio tĂŁo excelente quanto triste. Mas nĂŁo encontrei MemĂłrias pĂłstumas de Brás Cubas, MacunaĂma ou Serafim Ponte Grande.
Minha impressĂŁo Ă© que antigamente sempre havia algum escritor engraçadinho entre os dez mais. Podia ser o Verissimo, com seu genial domĂnio do ritmo, o MillĂ´r, com sua criatividade inesgotável, Galvez, o imperador do Acre, um livro sensacional de Márcio Souza, ou atĂ© O melhor do mau humor, uma coletânea do Ruy Castro que, apesar do nome, tinha muito bom humor. Hoje em dia, nĂŁo sei se haveria lugar para eles no panteĂŁo dos best-sellers.
Pelo que vi nessas listas, a literatura infantojuvenil mantĂ©m-se como um refĂşgio para o humor, como se Ă s crianças ainda fosse permitido sorrir. Mas, em minha pesquisa sem mĂ©todo, os dois livros que mais apareceram entre os mais mais foram O Pequeno PrĂncipe, que Ă© a histĂłria de um garoto que se suicida, e O meu pĂ© de laranja lima, que me fez chorar aos soluços quando tinha dez anos.
Para me consolar, pensei que na imprensa há ótimos escritores de humor, como Antonio Prata, Gregório Duvivier e Tati Bernardi. Mas, para estragar esse consolo, lembrei que já não temos nada que lembre publicações como A Manha, O Pasquim, Planeta Diário, Casseta Popular ou Bundas. E até a revista Mad fechou.
Com nomes como Gregório de Matos, Mário e Oswald de Andrade, Campos de Carvalho, Ivan Lessa, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Braga, Manuel Bandeira, Barão de Itararé, Stanislaw Ponte Preta e, é claro, Machado de Assis, pensei que o humor fosse um traço eterno na literatura brasileira. Mas talvez tenha sido apenas uma ilusão passageira. Ou duradoura.
A morte do humor transborda para outras linguagens. Na tevĂŞ, nĂŁo temos mais Chicos AnĂsios e JĂ´s Soares. E TV Pirata e Casseta & Planeta tambĂ©m nĂŁo deixaram herdeiros no horário nobre.
Na mĂşsica, já vai longe o tempo do Premeditando o Breque, do LĂngua de Trapo e dos Mamonas Assassinas. E nem Ă© bom pensar no que era o Ultraje a Rigor e no que virou seu vocalista.
Parece que o humor deixou de ser um jeito de ver a realidade. Hoje enxergamos tudo pelos Ăłculos da seriedade e pela lente de contato da melancolia.
A culpa será de Bolsonaro, que é quase um sinônimo de tristeza e faz péssimas piadas, desmoralizando o humor? Será de uma esquerda ranzinza, que virou um clube de censores ranhetas? Será dos centristas, que nunca fazem nada de graça? Será da realidade? Da certeza incontornável da morte? Não sei.
Mas acho que, em breve, os engraçadinhos terĂŁo que se encontrar em algum bar (que terá um nome de gosto duvidoso, como Bar Rabás, Bar BitĂşrico ou Bar Baridade) e ali, tomando cervejas e caipirinhas (jamais vinho ou uĂsque) contarĂŁo piadas em voz baixa, sussurrarĂŁo trocadilhos e darĂŁo risadas abafadas.
Caros Rabelais, Swift, Cervantes, Sterne, Calvino, Vonnegut e Machado, sinto dizer-vos que os tempos nĂŁo sĂŁo de bons humores. Que desgraça…