Eu ando bastante atarefada. AlĂ©m do trabalho normal, aquele de carteira assinada, crachá com a minha foto e quarenta horas semanais, tenho me comprometido cada vez mais com a literatura e seus desdobramentos. Finalizando um livro novo, ministrando uma oficina e estruturando outra, alguns alunos de mentoria e projetos de leitura crĂtica, essa coluna. Fora isso, a vida que acontece: o armário do banheiro que implora por socorro há meses, minha jabuticabeira que perdeu todas as folhas em uma semana e agora tambĂ©m implora por socorro, a cama do meu filho que para ficar arrumada precisa de uma colcha, uma almofada grande de bolas, duas almofadas de arco-Ăris, uma almofada de bola de chutebol, uma almofada de astronauta, duas almofadas pequenas, uma raposa, e um bicho-papĂŁo — tudo escolhido por mim. O mercado, a unha do pĂ©, os trabalhos da pĂłs-graduação.
De modo que, quando meu marido declarou, no domingo de manhĂŁ, que ia sair com o menino, que ia nadar na casa da avĂł, que nĂŁo voltava pra almoçar, o meu coração se empolgou. Umas cinco, talvez seis horas para render, organizar, produzir, entregar. Um tempo precioso para trabalhar sem culpa, porque esse Ă© o maior problema quando AntĂ´nio está por perto. Eu posso trabalhar, claro que sim, me fecho ali no escritĂłrio, me concentro, mas lá no fundo fico ouvindo sua risada ou seu choro, seu carro que vira robĂ´ e faz um barulho insuportável, suas boas ideias (e outras nem tanto). E aĂ, fico querendo estar em outro lugar, querendo estar perto, a culpa Ă© uma merda, eu sei. Mas saber disso nĂŁo faz com que ela suma de uma hora pra outra e estes sĂŁo os fatos.
SaĂram os dois, em trajes de banho, cheirando a protetor solar, AntĂ´nio chorando porque a cachorra comeu seu dinossauro (nota mental: jogar fora os restos mortais antes que ele volte). Eu, feliz, sabia que seria um domingo divertido pra eles, um dia produtivo pra mim — e isso tambĂ©m Ă© um bom domingo. Passei um cafĂ©, peguei um bombom (dois) e me encostei rapidinho na cama, pra terminar de assistir a um episĂłdio da minha sĂ©rie, porque havia pegado no sono na noite anterior. Era tipo onze da manhĂŁ.
Não terminei a série, outra vez. Abri os olhos e era quatro e quarenta da tarde, acordei achando que era a manhã do dia seguinte, que não tinha colocado despertador e já estava atrasada pro trabalho, o caos. Precisei de um tempo pra voltar pro lugar, voltei. Nem vinte minutos depois, o portão da garagem e a voz do meu filho:
— Mamãe, chegamos.
O melhor abraço.
Um dia produtivo pode ser entregar ao corpo o que ele está precisando.
Enquanto penso, me lembro que era exatamente isso o que a minha avĂł dizia: o corpo pede, minha filha. Escuta.
Tá bom, vó.
Agora vou ali brincar.