Há quase trinta anos, eu e Marcus Aurelius Pimenta fizemos O Chalaça, um romance histórico sobre o secretário particular de D. Pedro I (eu assino o livro, mas a dedicatória diz claramente: “Agradeço ao meu amigo Marcus Aurelius Pimenta, autor de tantos palpites e sugestões que, fosse eu honesto, lhe creditaria metade desta obra.”).
Pois bem, depois de tanto tempo decidimos voltar ao tema da independência do Brasil. Mas desta vez queríamos contá-la de outro jeito. Achamos necessário falar sobre as guerras que confirmaram o grito, sempre esquecidas aqui no sul maravilha. É como se Bahia, Maranhão, Pará e Piauí tivessem escutado o brado forte e retumbante do Ipiranga e aceitado de pronto a nova ordem. Não foi assim. Mas raramente se fala que o “Independência ou morte” gerou, realmente, muitas mortes.
Escolher nossa personagem principal foi fácil. Maria Quitéria, a soldada baiana que se disfarçou de homem para lutar contra os portugueses, era uma escolha sem concorrente. Trata-se de uma espécie de Mulan, a heroína da Disney, só que com uma história ainda melhor e em versão para adultos.
Quitéria não é muito conhecida, o que é mais uma vantagem, e sua vida é um romance perfeito. Há lá a questão com o pai, amores, batalhas e o subtema da emancipação da mulher. Assim o livro não seria apenas sobre a independência do Brasil, mas também sobre a de Quitéria e das mulheres.
Porém, não queríamos contar apenas a guerra na Bahia. Também desejávamos incluir as guerras mais ao Norte. Então decidimos que nosso enredo seria o seguinte: numa sala de espera do Palácio Imperial, Quitéria e um outro personagem estariam esperando para falar com D. Pedro (ou receber a Ordem do Cruzeiro). E ambos contariam suas histórias.
A questão era quem seria este seu coadjuvante.
Nossa primeira ideia foi Thomas Cochrane, o mercenário escocês que realmente recebeu a Ordem do Cruzeiro e virou nome de rua em várias de nossas cidades. Lemos um bocado sobre ele e vimos que sua vida tinha sido espetacular. Porém, as melhores histórias de Cochrane aconteceram fora do Brasil (no Chile e na Inglaterra). E, mesmo que ele tenha sido fundamental nas lutas na Bahia e no Maranhão, não teria como contar o que aconteceu no Pará e no Piauí.
Acabamos substituindo Cochrane por outro personagem: John Pascoe Grenfell (que também recebeu a Ordem do Cruzeiro), uma espécie de imediato de Cochrane, que fez as mesmas lutas que ele e ainda foi para o Pará, onde ocorreu A tragédia do brigue Palhaço (um fato que nunca estudei na escola mas que merece capítulo especial em qualquer livro de história decente).
Lemos bastante sobre Grenfell e ele nos pareceu interessante. Mas teríamos que esquecer do Piauí e nada indicava que ele tivesse uma personalidade cativante. Como não nos apaixonamos por Grenfell, decidimos trocá-lo. E acabamos caindo nos braços de Maria Graham, uma britânica que teria sido preceptora, por alguns meses, da primeira filha de Pedro e Leopoldina.
Lemos muito sobre ela, até obras inglesas, e fizemos uma primeira versão do livro. Mas, mais uma vez, não deu certo. Ela tinha a vantagem de ser mulher e independente, assim como Quitéria. E poderia contar as outras guerras por frequentar o palácio. Porém, as coisas interessantes de sua vida aconteceram longe do Brasil. E assim ela ficou uma personagem um tanto fria, que não teria se envolvido emocionalmente com o país. Mas o pior é que não estava sendo divertido escrever as partes de Maria Graham, o que geralmente significa que também não seria divertido lê-las.
Então nos esforçamos mais um pouco e finalmente achamos o ouvido perfeito para Maria Quitéria. Seu proprietário tinha uma personalidade muito interessante, sabia tudo sobre as outras guerras e estaria totalmente envolvido emocionalmente com o país e a questão da independência. Era uma escolha perfeita. Até nos perguntamos como não pensamos nele logo de cara. Seu nome é Francisco Gomes da Silva. Mas ele é mais conhecido como Chalaça.
Às vezes não vemos que a melhor solução está bem na nossa cara, ou bem na nossa capa.