🔓 Meu circo

Com muito alívio no coração, um passeio com Nina Simone é prova de que o Brasil acordou muito melhor em 2023
Ilustração: Denise Gonçalves
05/01/2023

Vi no tuíte: “Morreu uma Rainha, um Rei e um Bispo. Deus tava jogando xadrez em 2022. E o cavalo fugiu”. O melhor do brasileiro é o humor.

O fungo fugiu. Acompanhei o voo do ex-presidente com o mesmo entusiasmo que o povo que curte futebol acompanhou a Copa do mundo. A informação sobre a posição de voos “Brazilian Air Force” é pública e você pode ver, em tempo real, no site FlightAware.

Seguindo a tradição brasileira dos 214 milhões de técnicos de futebol, de uma hora para outra eu sabia a autonomia dos aviões Airbus A319, a distância entre Brasília e Orlando, como é o aeroporto de Boa Vista e quanto tempo leva para abastecer uma aeronave desse tipo. Google é a ferramenta do demônio.

Vi e me emocionei, junto com os pouco mais de 50% da população brasileira, a posse do Lula. A entrega da faixa presidencial foi dessas coisas que a gente sabe que há um gênio do marketing ali por trás mas mesmo assim chora feito um bebê.

Tudo o que me importa é que nos livramos do desgoverno. Sai Damares Alves e entra Silvio Almeida. Só por isso 2023 já está bom. Silvio Almeida é o cara. Adoraria vê-lo como candidato à presidência em 2026. Voto nesse sujeito para qualquer coisa. Presidente, síndico do meu prédio, líder dos escoteiros, reitor de faculdade, passeador de cachorros. E nem precisava tanto, né? Quando seu antecessor é um platelminto, é fácil ganhar.

Nina Simone e eu passeamos na ensolarada segunda-feira, dia 2, primeiro dia útil do ano, como quem desfila para a Meninos Rei: cheias de balangandãs e gingado. As duas felizes que só. Paramos para tomar café, sentadas no boteco da esquina, tomando um solzinho nas pernas.

Passa um cachorro com uma bandana da bandeira brasileira. Nina late enfurecida. Nina é eleitora do Boulos e filiada ao PSOL, não tolera essas coisas. Sim, eu sei que ela enxerga bem menos cores que humanos e que o mais provável é que tenha se irritado apenas com a perturbadora noção de que existem outros cachorros no mundo, mas eu vou adotar a versão de que ela não gosta de bolsominion.

Ficamos lá, as seis patas esticadas no sol, por muito tempo. As duas distraídas com os transeuntes, olhar perdido, coração leve.

O otimismo é contagiante. Saímos do nada para Margareth Menezes e Sônia Guajajara. Ou de Ricardo Salles para Marina Silva. As mudanças são muito significativas.

A gente até respira melhor. O ar está mais limpo. O ambiente mais leve. Claro, pode ser coisa da minha cabeça, mas na verdade não faz a menor diferença. O que importa é como a gente se sente, todo o resto é problema do outro.

Levei muito mais tempo do que se esperaria de alguém minimamente inteligente para entender o que é meu e o que é do outro. Quando eu parei de viver preocupada com o que outras pessoas pensariam, falariam, gostariam, etc-iam, minha vida melhorou muito. Not my circus, not my monkeys, já dizia o velho ditado polonês.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho