Quando ainda existia aula presencial, lá estava eu falando sobre o Cosimo di Medici, o mecenato e como a Renascença nĂŁo teria existido sem a famĂlia Medici. Eis que um aluno levanta a mĂŁo e diz, veemente: “sou contra”.
Levei um tempo.
E perguntei “você é contra a Renascença?”.
Frente Ă minha confusĂŁo absoluta, o jovem explica: “sou a favor da meritocracia, sou contra a Lei Rouanet”. Para esse filhote de tamanduá prateado, o Ăşnico mecenato possĂvel na histĂłria Ă© a lei brasileira de 1991. Naturalmente aplicável Ă Florença de 1400 e bolinha.
Levei mais um tempo.
Respirei fundo.
Contei até dez.
E continuei a minha aula.
A gente não escolhe aluno, parente, chefe, colega de trabalho ou vizinho. A gente escolhe muito pouco nessa vida. Eu atribuo à falta de prática todas as vezes em que pude escolher e exerci esse direito porcamente.
Um ex-namorado, escolhido por mim, envergonho em admitir, insistia em entender qualquer comentário como uma agressão pessoal. Sério: qualquer comentário. “Eu gosto mais de queijo branco” significava “você é um idiota”. Ou, ainda, “o que acha de irmos ao cinema?” era imediatamente convertido em sua mente como “não suporto a sua companhia”. Por motivos óbvios, é ex. Tem um meme mais ou menos assim: “Um dos sintomas da Covid é não ter gosto. Pensando retroativamente agora em alguns antigos relacionamentos, acho que estou infectada há décadas!”. Funciona melhor em inglês, no taste in men.
Ando cansada de pessoas, de uma forma geral. Sim, Ă© irĂ´nico considerando que estamos no meio de uma quarentena e que mal vejo pessoas de fato, mas lembre-se que elas continuam com acesso Ă internet.
Outro dia cometi a besteira de comentar que nĂŁo gostei do Loving Vincent. O excesso de efeitos tira a força da obra do van Gogh, causa um certo torpor anestesiante que Ă© contra tudo o que ele fez na vida. AlĂ©m, claro, do roteiro pĂfio que nĂŁo daria nem para um curta. Vem o cidadĂŁo perguntar quem era eu para criticar o filme. NĂŁo respondi. Block.
No Brasil de hoje, precisamos escolher nossas brigas porque sobreviver já anda cansativo o suficiente. Decidi, doravante, adotar a polĂtica das duas respostas. Se nĂŁo for possĂvel uma conversa inteligente em duas respostas, simplesmente desisto e concordo com o que for. 1 + 1 = 5? Isso mesmo, joaninha dourada, parabĂ©ns, seja feliz.
Uma vizinha fez queixa na polĂcia sobre uma festa, que nunca aconteceu, no meu apartamento. NĂŁo sei se fiquei mais ofendida com alguĂ©m achar que eu daria uma festa no meio de uma pandemia ou se pelo fato de que a mĂşsica Ă s alturas naquele momento era sertanejo universitário. Hoje eu certamente responderia aaai o Gusttavo Lima Ă© tudo para mim.
Ou seja, só nos resta cancelar a Renascença!
Preguiça.