Eu cheguei atrasada para a única reunião presencial que eu tive em nem sei quantos meses. Não foi desorganização, muito menos descaso, só uma sequência ingrata e infeliz de imprevistos, obstáculos e a minha pouca ou nenhuma destreza para pilotar uma cadeira de rodas não muito moderna.
Sim, era eu sentada ali na cadeira de rodas, o pé esquerdo metido há vinte e três dias num gesso que ninguém assinou. Sim, era eu entrando esbaforida, me desculpando, suando em cima do caderno que eu carregava no colo. A caneta tinha se perdido pelo caminho. Eu quis chorar, mas todo mundo sorriu, dizendo que bom que você veio, ou perguntando com genuÃno interesse o que tinha me acontecido, ou dizendo, em tons de profecia, que aquela tão desejada fuga do repouso era um bom sinal, o inÃcio de um novo tempo, eu podia ter certeza.
Parece que a gente precisava daquilo para começar, um tempo pra ser banal sem nos preocuparmos com a nossa cara estranha, o cabelo desalinhado ou o fundo muito menos elegante do que gostarÃamos, essas coisas que sempre aparecem em uma reunião virtual. Foi como se aquele pequeno caos que eu tinha levado comigo tivesse acabado por nos unir, em humanidades, imperfeições, em empatias. Depois disso a reunião fluiu bem, todo mundo foi objetivo, profissional, competente, mas, ao mesmo tempo, tudo foi leve.
E sem aqueles fones de ouvido que me doem a cabeça.
Quando o encontro já se aproximava do fim, alguém importante fez uma pergunta idem e eu, pela primeira vez em muito tempo, me senti preparada para responder. Naqueles nano-segundos antes de o som começar a sair da minha boca, encontrei o olhar do meu chefe que só precisou apertar muito levemente as pálpebras para me dizer que eu fosse em frente – ele também estava seguro da minha capacidade em responder. Foi só nesse instante que eu percebi que essas sutilezas, esse aprendizado diário, as discretas nuances de uma interação real, quase nunca têm login ou senha para participar de uma reunião virtual. E como elas fazem falta!
Veja bem: eu sou uma grande, grandessÃssima, absoluta defensora das reuniões online, das videocalls para quem preferir, da eficiência e economia de tempo que elas proporcionam. Mas, ó, definitivamente, têm reuniões que não poderiam, de jeito nenhum, ser um email.
(E se você me visse agora, saberia que eu sorrio enquanto escrevo essa croniqueta.)