Durante os últimos quatro anos escrevi mais de 700 textos para o Diário do Bolso (um falso diário do presidente, publicado no Face e no Instagram). Isso dá praticamente um texto a cada dois dias.
Mas, agora que (ufa!) o governo Bolsonaro acabou, me pergunto:
Devo fazer um texto de despedida depois da entrega da faixa e nunca mais voltar a escrever como o ex-presidente em exercício?
Ou devo continuar o Diário, usando-o como um espaço para fazer crônicas sobre política?
É uma dúvida cruel.
Por um lado, o Diário do Bolso juntou cinquenta mil seguidores e rendeu três indicações ao Jabuti.
Por outro, ele me obriga a ler reportagens, livros, artigos e memes que eu normalmente não leria. E, entre leituras e escrituras, engole umas quatro horas por dia, o que, no final de um ano, talvez desse para fazer um livro.
Por um lado, os leitores do Diário foram companheiros de trincheira. De muitos deles sei nome, religião, idade e manias. Sei que a filha de Isabel se chama Aurora, sei quando Nilze está na praia, já espero pelas piadas de Renato e conheço o tipo de texto que vai agradar Guida, Mari e Mercedes.
Por outro lado, continuar me dedicando ao Diário do Bolso significa deixar de fazer outros livros, conhecer novos leitores, etc… E tenho na cabeça histórias sobre Raposo Tavares, a Independência do Brasil, prédios malucos, estranhos planetas, etc…
Por um lado, é bom se informar sobre seu próprio tempo. Por outro, é ótimo ler ficção.
O que você faria? Para mim, os pratos da balança estão equilibrados e não é fácil decidir.
Porém, por esses dias fui assistir ao show de Milton Nascimento e, quando ele cantava Encontros e despedidas, acho que me soprou uma resposta. Foi, mais precisamente, com o trecho “Coisa que gosto é poder partir sem ter planos/ Melhor ainda é poder voltar quando quero”.
Ao escutar esses versos, pensei que talvez seja este o caminho. Nem ficar por obrigação, nem ir embora de vez. Quando me der vontade de escrever (como certamente acontecerá no dia em que forem abertos os tais sigilos de 100 anos), faço mais uma página do Diário. Quando não houver nada, não dou nem tchuns.
Talvez esse budista caminho do meio não dê certo. A amizade colorida me parece algo complicado. Sou mais de casamento ou divórcio. Por exemplo: há quatro anos pensei que o Diário não seria diário, mas semanal ou quinzenal. Só que me viciei em escrevê-lo e casei com ele. Por outro lado, quando parei de fazer uma coluna sobre futebol na Folha de S. Paulo, nunca mais voltei ao assunto. Divórcio total.
De qualquer forma, por enquanto parece que o mais sensato é seguir o conselho do mestre Bituca: partir sem ter planos, voltar quando quiser.