Trinta anos atrás, em fevereiro de 1993, eu estava fazendo a mesma que agora: revisando O Chalaça com Marcus Aurelius Pimenta.
O livro, meu primeiro, iria sair um ano depois, em março de 1994, e seria uma estreia com pé direito. Ganhou o Prêmio Jabuti na categoria romance e foi o Livro do Ano na categoria ficção. Além disso, no lançamento estampou a capa da ilustrada (com uma ótima análise de José Geraldo Couto), teve duas páginas na Veja e eu fui parar no programa do Jô Soares (onde me deram um whiskão para relaxar e deu certo). Ah, e já ia esquecendo a glória máxima: fiquei dez semanas na lista dos mais vendidos, duas em primeiro lugar, à frente de Paulo Coelho.
Por conta desta falsa biografia/diário do secretário do imperador, fui convidado a ter uma coluna semanal no Jornal da Tarde, onde fiquei por três anos, e depois na Folha de S. Paulo, onde fiquei uns doze. E assim pude viver de escrever.
Pelas minhas contas, até hoje o Chalaça vendeu 70.403 livros e é meu oitavo livro mais lido. Porém, depois de 2016, as vendas passaram a ficar entre 100 e 120 exemplares por ano, o que é decente para uma obra de sua idade, mas não chega a ser uma maravilha.
Então decidi pedir os direitos de volta e lançá-lo pela Padaria de Livros, minha euditora (o “u” não é erro). E, junto com Marcus, nos pusemos a revisar o texto mais uma vez.
Confesso que pensei que haveria poucas mudanças, afinal ele havia recebido um monte de prêmios e elogios. Que ilusão… Prêmios e elogios enganam. A “mexidinha” está sendo complicada e trabalhosa. Parece uma daquelas reformas em que você diz “acho que vou mudar o papel de parede do quarto” e acaba trocando fiação, encanamento e fazendo uma edícula nos fundos.
Estamos mexendo em muita coisa. Não na história, que continuará a mesma, mas no modo de escrever. Por exemplo, não tínhamos o cuidado de evitar repetições de palavras (pegamos parágrafos com quatro “muitos”, o que é muito), rimas indesejáveis, inúteis pronomes possessivos e excesso de advérbios de modo e seus “mentes” (infalivelmente, exatamente, etc…).
Notamos que a pompa do texto (em grande parte necessária, porque o narrador é pomposo) às vezes emperrava a leitura. Havia frases longas, de um parágrafo inteiro, que, na leitura em voz alta, quase nos matavam de falta de ar. E, por vezes, duas frases queriam dizer a mesma coisa. Acabamos limando uma delas.
Outra coisa que trocamos foram alguns palavrões. Um comum “filho da puta”, por exemplo, virou um sonoro “canalha”. O termo destoava um pouco de um narrador que se queria elegante e, desconfio, impedia que algumas escolas adotassem o livro.
A revisão chegou à metade do romance e o texto, que tinha 260 mil toques, já caiu para 255 mil. Ou seja, já foram embora 5 mil toques, quase mil palavras, número que deve dobrar até o final da revisão. Isso dá cerca de 4% do livro. Pode parecer pouco, mas, mal comparando, lembra aquela pelanquinha que o açougueiro tira da carne. É quase nada, mas deixa o filé mignon muito mais apetitoso.
De certa forma, eu e Marcus estamos conversando com nossos eus de trinta anos atrás. Nesse tempo, creio que o que mudou foi a nossa leitura miúda. Ficamos mais atentos (ou obcecados) pela caça aos pequenos defeitos para os quais nem ligávamos.
Hoje, praticamente sexagenários, somos mais rabugentos do que quando éramos impávidos trintões. Mas essa rabugice, para o leitor, significará uma leitura mais fluida e ágil. Quando éramos jovens, queríamos fazer uma escrita mais arrastada e cheia de volteios. Agora, senhores grisalhos, tentamos ser mais objetivos e velozes. Vá entender…