A menina Alice, de dois anos de idade, de pais brasileiros radicados em Londres, foi notĂcia nos jornais há pouco tempo e ganhou fama como “a bebĂŞ que fala palavras difĂceis”. Quase dois milhões de pessoas se deliciaram com a menina que pronuncia perfeitamente palavras como “paralelepĂpedo” e “estapafĂşrdio”.
Verdade que Alice Ă© bastante precoce. Verdade tambĂ©m que tem sido intensamente estimulada pelo vocabulário praticado pelos pais. A notĂcia, no entanto, circula e se propaga com ares de exotismo. De repente parece raro no mundo o que Ă© raro aqui e ali. E assim o caso fica sendo o que nĂŁo Ă©: anĂ´malo, excepcional, prodigioso.
Quem se espanta demais talvez nĂŁo conheça bem as crianças ou palavras difĂceis. NĂŁo Ă© preciso ir ao trava-lĂngua para ouvir dos pequenos algumas maravilhas. Caem bem na voz de uma criança palavras preciosas que parecem simples, como alba, cĂşpula, frouxel, melena. Todas as palavras sĂŁo igualmente novas e interessantes para essas crianças, todas uma surpresa sonora que experimentam na lĂngua, uma descoberta de mundos comunicáveis.
Querem ver um caso fabuloso, alĂ©m do paralelepĂpedo da menina Alice? A pequena Eva, filha do poeta Contador Borges e da antropĂłloga Mariana Vieira. Estavam na fila do SUS, um dia, Eva, com entĂŁo dois anos de idade, e sua mĂŁe, quando uma senhora ao lado, vendo o tigre de pelĂşcia no colo da criança, resolve puxar conversa: “Ah, que bonitinho! É um gatinho?”. Ao que a pequena sagaz, muito sĂ©ria, dispara: “Acho que Ă© um simulacro”.
Aonde vĂŁo essas crianças? TĂŁo longe quanto as levarmos. A via para o verdadeiro fascĂnio nĂŁo Ă© exatamente complicada. SĂł Ă© preciso estarmos aĂ. SĂł Ă© preciso um estĂmulo incansável.