🔓 Cinzas

Uma vasta coleção de falhas e esquecimentos que sedimenta a caminhada rumo ao envelhecimento
Ilustração: FP Rodrigues
06/04/2023

Todo semestre eu me planejo para avaliar e lançar notas de maneira processual e não deixar acumular.

Todo semestre eu falho.

Tem tanta coisa na vida em que falhei miseravelmente que já nem ligo mais.

Aprender alemão, por exemplo. Estudei quase quatro anos de alemão. Isso, como todos sabem, equivale ao nível recém-nascido de proficiência no idioma. Gugudadá. Ou melhor, Gutenmorgenliebemutterkannstdumirbittedieflaschebringen.

Falhei também em ter um corpo daqueles malhados de academia. Parte do problema talvez seja eu me recusar a ir em uma academia. Talvez, a investigar.

A minha falta de paciência não dá nem para colocar como falha, já que essa eu sequer tentei adquirir um dia.

Outra falha épica, a vir, é a dieta. A Páscoa está chegando e, com ela, coelhos recheados de marzipan.

Por aqui a fé costuma faiar. Sorry, Gil.

Imponho prazos a mim mesma, na tentativa de falhar menos. Se há um prazo, há uma meta e, portanto, uma possibilidade. Os projetos a perder de vista, bem… se perdem de vista. Comigo, prazos funcionam. Vendi a alma para o Google Agenda.

Vou fazer um café, esse não falha.

Enumero as falhas, minhas, autorais, para não enumerar as desimportâncias que me foram e são atribuídas. É a pessoa que confirma duas vezes e esquece do almoço de aniversário. É a vaga passada para a outra pessoa com um marketing pessoal melhor mas incompetente. É o email enviado com zelo e carinho que fica esquecido na caixa postal até não fazer mais nenhum sentido responder.

É tanto esquecimento que já nem lembro mais.

E, de esquecimento em esquecimento, o espelho vai falhando, quase como um Dorian Gray reverso.

O passado permanece, eu envelheço.

Antes assim, a alternativa é bem pior.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho