Faço faxina na casa um pouco mais distraÃda que de hábito, o que é dizer muito. Depois de tudo lavado, esfregado, desinfetado e outros ados, coloco um pouco de desinfetante no vaso sanitário.
E esqueço.
Tomo banho, trabalho, almoço, respondo e-mail, essas coisas.
E aà vou fazer xixi.
E o xixi está roxo e com espuma.
Pânico.
Estou, certamente, morrendo.
Lembro como é hemodiálise e começo a suar frio.
Aquela sensação de pânico. O ar falta. A cabeça pesa. As pernas ficam fracas.
Segundo o doutor Google, a morte iminente acontecerá por causa da degradação de metabólitos do triptofano por bactérias, seja lá o que isso queira dizer.
O roxo pode ter sido por causa de um derrame. Não me lembro de ter sofrido um. Ou será que a minha não-lembrança é uma consequência? Eu sei que existe o tal do derrame silencioso. Vai ver, foi isso.
Pelo que consegui entender, o roxo acontece quando uma coisa é decomposta em outra e que aà entra em contato com um microorganismo que, por sua vez, divide essa outra coisa em outras duas, uma vermelha e outra azul, que dá roxo.
Lembrei das minhas aulas sobre cor e achei que talvez meus aluninhos sentissem minha falta.
A espuma, parece, é por conta da presença de proteÃnas, rins falhando e diabetes.
Caramba, que doença rápida. Não tem nem um mês que eu fiz exames.
Descubro que fadiga é um sintoma da diabetes. Pronto.
Um site de confiabilidade duvidosa me informa que impaciência, nervosismo, ansiedade, raiva, tristeza, impaciência e irritabilidade são sintomas da hipoglicemia no diabético. Tudo explicado. Não é que eu viva no Brasil em 2021, é tudo culpa da diabetes.
Tudo me parece gravÃssimo e começo a pensar em filho. O que eu posso, agora nesses meus últimos momentos que me restam, explicar ou deixar pra ele?
Raciocino que todos os documentos relevantes estão organizados em pastas e que ele sabe onde estão. Além disso, ele tem as senhas de tudo da minha vida. Então, se eu cair dura agora no banheiro, ele saberá o que fazer. Eu acho. Eu espero.
Continuo me consultando com o doutor Google, que me informa que o xixi roxo espumoso radioativo alienÃgena da morte certa tem, também, um cheiro forte.
Percebo que o vaso cheira a lavanda.
PeraÃ. Lavanda é roxa.
Lavanda! O desinfetante.
Respiro.
Ok, sua anta, isso é o desinfetante que você colocou de manhã.
Não estou morrendo. Ainda não, pelo menos. Ou, não por esse motivo.
Como sei que a minha distração não tem cura, a conclusão é óbvia: nunca mais faço faxina.