Uma sorte ter conhecido gente que ganha a vida escrevendo, traduzindo, revisando textos. Outro presente maior foi ter desenvolvido o gosto pela literatura e alguma habilidade para encontrar as boas leituras. Uns tantos anos de imersão e a desconfiança de que também podia levar jeito com as palavras. “Escreva, meu anjo, vá escrevendo e depositando tudo numa caixa de sapato para não perder nenhuma folha. Um dia, num futuro distante, você vai abrir o arquivo e se pôr a separar o joio do trigo.” Abençoada, me deu um plano de trabalho, um objetivo e ainda um desafio: o de dominar, no futuro, a arte de selecionar um bom texto. Estava naquele aconselhamento a receita completa. Era só seguir no riscado.
Os primeiros escritos, que registravam o traço da imaturidade, continham também o frescor da ingenuidade. Mais adiante, o velho e pouco conhecido vale da convicção, em que muitos atolam para sempre. Depois de muito, a aceitação da preciosa dúvida e o desuso das certezas.
Foi gratificante abrir a caixa e perceber o benefício do tempo e do trabalho direcionado — e entender que ainda seriam necessárias muitas caixas de sapato.